Avivamento em Shantung – Parte I
Embora talvez pouco conhecido pela maioria dos cristãos, o
Avivamento de Shantung é considerado um dos avivamentos mais significativos na
China e foi, com certeza, o mais poderoso que já houve no meio dos batistas.
Shantung (ou Shandong) é uma província no litoral nordeste da China. Pouco
antes da invasão do país pelo Japão em 1937, no meio da turbulência política
causada por atividade comunista na região, Deus enviou uma poderosa onda de
avivamento que durou aproximadamente dez anos (1927-1937). A seguir, a primeira
parte de uma série de relatos e testemunhos sobre o que aconteceu.
Ao estudar as ações extraordinárias de Deus em avivamentos, é
sempre maravilhoso constatar como ele prepara tanto pessoas quanto
circunstâncias durante anos antes de uma visitação. Embora a característica
principal de avivamento seja a ação soberana de Deus, produzindo efeitos que
jamais seriam alcançados pelo esforço natural, vemos que mesmo nessas ocasiões
Deus continua realizando sua obra por meio de instrumentos humanos.
No caso do Avivamento em Shantung, duas pessoas muito
importantes na preparação e no desencadeamento da visitação foram Bertha Smith
e Marie Monsen.
Bertha Smith
Dois anos depois de sua conversão em 1905, Bertha teve uma
experiência marcante com Deus durante uma série de reuniões especiais em sua
cidade natal de Cowpens, na Carolina do Sul, EUA. Ao render-se totalmente à
vontade soberana do Senhor, ela determinou que aceitaria qualquer coisa que ele
lhe pedisse e que absolutamente nada seria “pedir demais”. Foi nessa ocasião
também que recebeu o enchimento do Espírito pela primeira vez. No seu
entendimento, ser cheio do Espírito era uma experiência que deveria repetir-se
continuamente na vida do cristão. Para isso, porém, era necessário manter a
vida sempre purificada, livre de pecados não-confessados e não-renunciados, e
sempre rendida à liderança do Espírito Santo. Como Paulo escreveu aos gálatas: “Se
vivemos no Espírito, andemos também no Espírito” (Gl
5.25).
Algum tempo depois, Bertha recebeu o chamado de Deus para o
serviço missionário. Estudante de faculdade na época (1910), ela lutou durante
várias semanas com a idéia, considerando os sacrifícios que seriam exigidos.
Envolveria, certamente, deixar o lar e a família por anos, talvez para o resto
da vida. Será que a família aprovaria? No fim, porém, o que a levou a tomar uma
decisão foi reconhecer que Jesus deixou toda a glória do Céu para viver aqui na
Terra e morrer uma morte vergonhosa em seu lugar – tudo para cumprir a vontade
do Pai. Como ela poderia agora fazer menos do que tomar atitude semelhante? Ao
render-se ao chamado de Deus, uma grande alegria invadiu o coração que nunca
mais a deixou.
Em 1917, com 28 anos de idade, Bertha foi enviada pela Junta de
Missões da Convenção Batista do Sul como missionária à China. Logo que chegou,
ficou preocupada com o baixo nível de compromisso e espiritualidade entre os
chineses convertidos. Os outros missionários sentiam o mesmo. À medida que
buscavam renovação em suas próprias vidas, chegavam cada vez mais à conclusão
de que só um avivamento mudaria a condição de impotência e superficialidade da
obra que estavam tentando levantar.
Começaram separando o primeiro dia de cada mês para orar nesse
sentido. Pouco a pouco, foram aumentando a freqüência, até chegar a duas
reuniões de oração todos os dias. Havia sede por Deus, descontentamento com o
nível de vida e ministério e um desejo cada vez mais forte de ver Deus intervir
sobrenaturalmente na situação. A intensidade da oração e do desejo de conhecer
a Deus e de experimentar a plenitude do Espírito foi uma preparação tremenda
para o que haveria de vir.
Marie Monsen
Enquanto isso, Deus estava trabalhando numa outra pessoa, em
outro continente, chamada Marie Monsen. Da Igreja Luterana da Noruega, Marie
era uma mulher decidida, original (não se enquadrava em padrões comuns de
pensamento ou comportamento) e ousada. Antes de ser enviada para a China como
missionária em 1901, já havia acumulado uma bagagem expressiva de experiências
com Deus, viajando sem recursos, dependendo dele em tudo, recebendo provisões
sobrenaturais.
Durante sua primeira temporada na China, porém, passou por
várias provações difíceis que, na sabedoria de Deus, contribuiriam para seu
aperfeiçoamento e preparação. Ao cair de uma escada em Xangai, sofreu concussão
cerebral. Além disso, assim que chegou ao local que seria seu campo
missionário, foi acometida por um ataque muito sério de malária, a ponto de
quase morrer. Durante os primeiros anos, estudando a língua, sentia fortes
dores de cabeça no meio de uma luta constante com a malária.
No verão de 1906, finalmente, veio alívio. Através de oração,
Marie foi completamente curada. A partir daí, ela teve várias outras
oportunidades para recorrer ao Grande Médico em favor de si própria e de
outros, e de testemunhar a cura. A partir de 1911, numa segunda temporada na
China, trabalhou com a Missão Luterana na província de Honan.
Um Retiro Espiritual
Em 1927, diante da situação tensa e instável na região causada
por atividade comunista e movimentos anticristãos, o governo dos Estados Unidos
recomendou fortemente que todos os missionários abandonassem a província de
Shantung e se refugiassem, temporariamente, na cidade portuária de Chefoo, até
que as coisas se acalmassem.
Mais de vinte missionários ficaram alojados precariamente num
espaço bem limitado, sem muito a fazer, esperando o desenrolar dos
acontecimentos. Resolveram, depois de alguns dias, aproveitar o tempo e fazer
um retiro espiritual. O grupo, que era quase todo de batistas da Missão do
Norte da China, convidou Marie Monsen para compartilhar suas experiências de
evangelismo e cura divina no campo missionário. Muitos estavam cansados e
frustrados depois de anos sem fruto, sem avanço espiritual. Alguns haviam
pensado até em abandonar o trabalho missionário, a tal ponto havia chegado a
sensação de impotência e fracasso na obra de Deus.
Com sua ousadia e abordagem direta, Marie não tinha receio algum
de confrontar quem quer que fosse com exposições claras de verdades
fundamentais e perguntas pessoais. Sua marca registrada por onde viajava e
ministrava eram as duas perguntas diretas que fazia a todos que encontrava,
indiferentemente se eram visitantes, membros de igreja, ministros ou
missionários: “Você já nasceu de novo?” e “Você já foi batizado com o Espírito
Santo?”
“É preciso confessar e abandonar todo e qualquer pecado
conhecido se quiser que Deus o encha com seu poder”, ela enfatizava. “Deus
requer santidade.”
Um dos missionários que Marie Monsen conheceu nesta ocasião foi
o dr. Charles Culpepper, respeitado líder da Missão Batista e diretor do
Seminário Batista em Shantung. Anos depois, ele relatou as primeiras palavras
de Marie para ele: “Você já foi batizado no Espírito Santo?”. Naquele momento,
ele não teve resposta, mas a pergunta desencadeou uma busca pessoal que durou
quatro anos, como veremos adiante.
O Início do Avivamento
A ministração de Marie e os testemunhos de cura que relatou
tocaram profundamente o grupo de missionários batistas, apesar de representaram
um conceito novo e estranho para eles. Para alguns, qualquer manifestação do
sobrenatural em dons era associada com o temor de tornar-se “pentecostal”, o
que era considerado símbolo de fanatismo e desequilíbrio.
Deus já havia preparado, porém, uma situação para começar a
mudar tudo isso. Se houve um único evento que pode ser considerado o “início”
do avivamento, foi uma reunião poderosa que aconteceu em março de 1927, durante
o retiro em Chefoo. A esposa de Culpepper, Ola, havia sofrido há anos de
neurite óptica, com visão apenas parcial no olho afetado e muita dor. Um
especialista mundial na doença não lhe dera esperança alguma. Depois dos
testemunhos de Marie, ela disse ao marido que estava convicta de que Deus a
queria curar e pediu a Marie que reunisse o grupo de missionários para orar por
ela.
Apesar de ser algo totalmente inédito para o grupo, eles
concordaram. Em preparação para a reunião, cada um procurou colocar a vida
espiritual “em dia”, confessando pecados e buscando purificação. Havia uma
sensação elétrica de expectativa no ar: Deus estava para fazer algo incomum.
Quando chegou o dia, o grupo formou um círculo em volta de Ola,
que colocou os óculos em cima da lareira. Charles Culpepper leu o texto de
Tiago 5.14-16: “Está alguém entre vós doente?
Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com
óleo em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o
levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados. Confessai,
pois, os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros, para serdes
curados. Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo.”
Charles, então, ungiu Ola com óleo e pediu que os outros
missionários lhe impusessem as mãos e orassem pela cura.
De repente, Bertha Smith interrompeu a reunião. Mais tarde, ela
descreveu o que lhe aconteceu naquele momento:
Eu havia entrado naquela sala, até onde sabia, com minha vida em
dia com o Senhor. Jamais teria ousado entrar em outra condição. Porém, quando
estendi minha mão para a cabeça de Ola Culpepper, fui obrigada a retirá-la.
Ali, diante de mim, estava a srta. Hartwell, uma missionária com quem eu tivera
problemas algum tempo antes.
Na época, nós trabalhávamos na mesma escola da missão. De forma
bem presunçosa, em virtude da minha formação superior em educação, eu havia
desprezado os métodos da srta. Hartwell de alfabetizar garotos e fizera
comentários que a feriram.
Ali mesmo, diante de todos, tive de confessar: “Srta. Hartwell,
minha atitude naquele assunto da escola estava errada. Peço que me perdoe!”
Somente depois disso é que pude juntar minha mão com as dos
outros e orar por Ola Culpepper.
Caso eu tivesse me recusado a confessar aquele pecado e tentado
orar com ele encoberto, creio que a oração do grupo e a cura de Ola poderiam
ter sido impedidas.
Com esse problema resolvido, o grupo se pôs a orar – com muita
união e poder. De acordo com o testemunho de várias pessoas presentes, os céus
desceram e houve grande presença do Espírito durante aproximadamente duas
horas. O poder de Deus estava tão forte que duas cozinheiras chinesas que
trabalhavam na missão e tinham muito ressentimento uma com a outra, ao entrarem
na sala, foram tocadas na mesma hora. Sentiram convicção do Espírito, confessaram
o ódio que tinham no coração, buscaram perdão e foram maravilhosamente
convertidas.
Foi tão glorioso que o grupo até se esqueceu do objetivo da
reunião: a cura de Ola. Quando se lembraram de perguntar, ela testificou que
não sentia mais dor alguma. Apesar de não ter a visão totalmente restaurada,
ela nunca mais precisou dos óculos nem sentiu dor.
Uma chama foi acesa que começaria a espalhar-se por toda a
província quando os missionários voltaram para casa…
Fontes: “Women on the Frontlines” (Mulheres na Linha de Frente),
de Michal Ann Goll e “Women of Awakenings” (Mulheres de Despertamentos), de
Betty Drummond.
Avivamento em Shantung – Parte 2
Embora talvez pouco conhecido pela maioria dos cristãos, o
Avivamento de Shantung é considerado um dos avivamentos mais significativos na
China e foi, com certeza, o mais poderoso que já houve no meio dos batistas.
Shantung (ou Shandong) é uma província no litoral nordeste da China. Pouco
antes da invasão do país pelo Japão em 1937, no meio da turbulência política
causada por atividade comunista na região, Deus enviou uma poderosa onda de
avivamento que durou aproximadamente dez anos (1927-1937). A seguir, a segunda
parte de uma série de relatos e testemunhos sobre essa importante visitação.
Vimos como Deus preparou duas pessoas (mulheres) como instrumentos
dele no avivamento na China. Veremos a seguir como ele trabalhou também na vida
de uma terceira pessoa, Charles Culpepper, já mencionado na Parte I deste
relato. Na época, Culpepper era presidente do seminário batista em Shantung, na
cidade de Hwanghsien.
O testemunho a seguir é do próprio Charles Culpepper.
Quatro Anos de Oração
Nos primeiros anos da década de 1920, nós, como missionários,
estávamos enfrentando obstáculos e circunstâncias impossíveis [falta de
finanças, distúrbios políticos na China, desânimo, falta de poder...]. Alguns
até resolveram voltar para seus países de origem por não conseguirem ver
qualquer esperança na obra de Deus ali.
Graças a Deus, porém, havia outros missionários mais antigos que
sabiam orar. Muitos foram tocados pela situação, e decidimos buscar a Deus em
oração. Enquanto orávamos, o Senhor gerava no nosso interior uma sede ainda
mais intensa por ele.
Como resultado dessa oração (que continuou por quatro anos),
aumentou a convicção de pecados, o que nos levou a fazer restituição, acertar
as coisas um com o outro, tratar com tudo o que havia de errado. Havia coisas
no coração que nem imaginávamos que pudessem estar lá, soterradas sob camadas e
camadas de entulho. Foi preciso cavar no meio do entulho até encontrar aquilo
que estava desagradando a Deus.
Diversas pessoas nos ajudaram muito nesse processo. Uma delas
foi Marie Monsen, uma missionária luterana da Noruega. Um dia, ela me
perguntou: “Você já foi batizado no Espírito Santo?”. Eu não pude responder
porque não sabia de fato o que significava.
Daquele dia em diante, porém, comecei a buscar na Palavra de
Deus. Grande fome pela plenitude do Espírito Santo nasceu dentro de mim. Levei
quatro anos para tirar todo o entulho e acertar minha vida com o Senhor. Muitos
outros missionários (estávamos em mais ou menos 50 na região) sentiram a mesma
necessidade.
Para todo o grupo que estava orando, o alvo central ficou cada
vez mais forte e dominante: a necessidade de encontrar-se com Deus. Às vezes,
orávamos por uma hora, outras vezes, por duas – e algumas vezes durante a noite
inteira.
Certa vez, quando Marie Monsen estava passando outra vez por
nossa região, ela me disse: “Irmão Culpepper, um grande avivamento está para
vir, e começará com a Missão do Norte da China [a missão batista do
Culpepper]”.
“Como você pode ter tanta certeza disso”, perguntei-lhe.
“Porque Deus tem uma aliança na sua Palavra que nunca foi
quebrada, desde os tempos de Salomão”, ela respondeu. Em seguida, ela citou 2
Crônicas 7.14.
“Vocês aqui”, ela continuou, “acima de todos que conheço na
China, estão fazendo exatamente isso. Estão humilhando-se, confessando os
pecados uns aos outros, acertando toda e qualquer pendência, fazendo
restituição. E estão orando. Dá impressão que nunca param de orar! Estão buscando
a Deus de todo o coração.”
Nosso sentimento era como o do salmista: “Como suspira a corça pelas
correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma. A minha alma
tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei e me verei perante a face de Deus?” (Sl 42.1,2). Deus deu-nos essa fome e,
ao mesmo tempo, a certeza de que ele mesmo iria saciá-la.
Muita Confissão e Arrependimento
Quatro anos depois que começamos a realmente buscar a plenitude
do Espírito em oração, Deus visitou a China com grande poder. Começou em
Pingtu, uma outra cidade na província de Shantung. Nós, da cidade de
Hwanghsien, onde ficavam o seminário e as escolas de ensino fundamental e
médio, temíamos que o Senhor fosse nos deixar de lado.
Reunimos, então, um grupo de 40 pessoas para orar durante uma
semana. Enquanto orávamos, o Senhor trouxe profunda convicção ao meu coração do
pecado de não estar cheio do Espírito Santo. Depois de tratar com várias outras
coisas nesses quatro anos, ele agora estava apontando isso, e foi tão forte que
senti que ele praticamente me mataria se eu não resolvesse a questão de uma vez
por todas.
Fiquei tão desesperado que continuei orando sozinho até
meia-noite. Como não obtive paz, fui chamar minha esposa, e ela se levantou
para orar junto comigo. Só consegui alívio quando disse: “Senhor, vou confessar
minha negligência diante do povo”.
As pessoas me elogiavam, dizendo que era um ótimo missionário,
que realizava uma obra muito boa – e eu o aceitava. Por isso, dispus-me a dizer
ao povo, no dia seguinte, como o Senhor revelara minha condição de pecado, de
incapacidade e desesperança, como não havia valor algum em mim mesmo.
No dia seguinte, de manhã, quando o grupo voltou para continuar
a semana de oração, levantei e fiz a confissão. Foi aí que o Senhor fez algo
maravilhoso. Outras pessoas começaram a confessar pecados, caíam de joelhos sob
convicção do Espírito e clamavam a Deus.
Isso foi na terça-feira, de manhã. Continuamos ali durante
quatro dias e quatro noites e, no fim, o grupo crescera para cerca de 200
pessoas. O lugar em que estávamos ficava lotado, às vezes, e todos que passavam
pela porta caíam de joelhos, tamanha era a convicção que carregava o ambiente.
Um Culto de Louvor
Na sexta-feira, quase à meia-noite, a última pessoa naquela
capela estava aliviada, depois que todos haviam passado por convicção,
confissão, acerto das coisas erradas e purificação. Alguém sugeriu, então, que
encerrássemos no dia seguinte, sábado, com uma reunião de louvor.
Pediram que eu dirigisse esse culto, e comecei lendo os primeiros
versículos do Salmo 32. Em seguida, o dirigente de louvor pediu a congregação
para ficar de pé. Aquele grupo de 200 pessoas começou a louvar a Deus em
uníssono, com um só pensamento, alguns agradecendo, outros chorando, ainda
outros rindo no gozo do Espírito. Isso continuou por uns 15 minutos.
Alguns dos pregadores chineses vieram à frente e me abraçaram.
Achei que iam quebrar todos os meus ossos. E disseram o seguinte: “Irmão
Culpepper, sempre sentíamos que você se considerava melhor do que nós. Agora
sabemos que somos todos iguais. Você não é mais norte-americano, nem nós somos
chineses. Somos apenas filhos de Deus!”.
Em seguida, alguém sugeriu um cântico. Cantamos o mesmo cântico durante
cinco horasem seguida! Ninguém saiu de lá, ninguém queria ir para
casa. Cantamos e louvamos a Deus por cinco horas. Finalmente, como se o próprio
Senhor tivesse dito Amém, todo o mundo
parou e se assentou. Houve um silêncio tão absoluto que podíamos ouvir a
respiração um do outro. O Senhor estava dizendo: “Pronto, é só isso!”. E todos
foram para casa.
Um Batismo Maravilhoso
Mas ainda não tínhamos idéia alguma do que o Senhor pretendia
fazer conosco. Depois do culto, dois pregadores chineses que tinham muita
amizade comigo aproximaram-se e me perguntaram: “Irmão Culpepper, você já
recebeu a plenitude do Espírito Santo?”. Respondi que não sabia, mas que
desejava muito saber. Eles também não sabiam, então resolvemos orar juntos
naquela mesma noite.
Reunimo-nos, os três, no meu escritório em casa e começamos a
orar, cada um num canto, de costas um para o outro. Às vezes, orávamos em
silêncio, outras vezes em voz audível. Depois de uma hora, mais ou menos,
percebi que estava com medo. Estava com medo dos excessos e extremos de que
ouvira falar e contra os quais fora advertido.
Durante os quatro anos de oração, eu lera vários livros. Uns
diziam uma coisa, outros, algo bem diferente. Um dizia que deveríamos soltar as
rédeas e confiar em Deus. Outro, que não deveríamos jamais nos soltar, porque o
diabo poderia aproveitar a brecha. Eu tinha medo que pudesse falar em línguas e
ser expulso da minha denominação. Tinha medo de muitas coisas…
De repente, o Senhor trouxe à minha memória Lucas 11.9-13, texto
que fala que um pai nunca daria uma pedra ao filho que pedisse pão. Era como se
fosse um raio, brilhando diretamente do céu sobre mim. Senti que estava
ajoelhado na presença do meu Pai celestial e que ele jamais permitiria que algo
errado me tocasse. Eu já havia confessado meus pecados, tratara com tudo que o
Espírito apontara no meu coração e estava com muita sede. Então levantei minhas
mãos e disse: “Senhor, estou ajoelhado na presença do meu Pai celestial e quero
tudo que tens para mim”.
Não sei exatamente o que aconteceu. Senti que estava caindo nos
braços de Jesus. Porém, deve ter feito um ruído quando minha cabeça bateu no
chão, porque os dois irmãos chineses que estavam ali viraram-se e me viram
prostrado no chão. Para mim, porém, a sensação era de ter caído nos braços de
Jesus, de forma tão suave e doce como se tivesse caído num colchão de penas.
A primeira coisa que aconteceu foi que minha boca se abriu,
ficou tão aberta que doíam minhas mandíbulas. Parecia que todo o vento do mundo
inteiro estava sendo aspirado e que estava passando em grande velocidade por
minha garganta. Em seguida, pareceu que Deus me tomou, assim como um cachorro
pega um coelho, e me sacudiu fortemente. Pude sentir a língua batendo contra as
laterais da boca. Depois foi como se mil ímãs estivessem me puxando de todos os
lados.
Comecei a repetir: “Já se foi, já se foi tudo, já se foi!”.
Percebi que Deus estava tomando meu velho homem e crucificando-o, de fato, na
cruz. Os dois irmãos que estavam comigo não sabiam o que isso significava e
perguntaram o que eu estava dizendo. Isso me perturbou um pouco, pois me sentia
tão maravilhosamente bem na presença de Deus. Porém, expliquei-lhes o que
estava dizendo e, com isso, me sobreveio uma paz, tal qual nunca experimentara
em toda minha vida. Depois veio alegria do fundo do coração, com intensidade
tal que pensei que morreria de tanto rir. Ri durante algum tempo até que veio
outro forte sentimento – de ser totalmente indigno.
Tive vontade de que a Terra me engolisse por completo por ser
uma criatura tão indigna. Embora não merecesse nada além do inferno, Jesus
acabara de me tomar em seus braços, de me aproximar dele e de me encher com seu
Espírito.
Uma Batalha Espiritual
A sensação de ser indigno continuou por alguns instantes, até
que deu lugar a uma carga, um peso espiritual, um espírito intercessório em
favor da minha esposa. Quatro anos antes, ela fora curada quando Marie Monsen e
um pequeno grupo de missionários oraram em favor de uma doença incurável em
seus olhos. Desde então, havíamos andado juntos, orando pela plenitude do
Espírito Santo. Senti um encargo de oração por ela, por meus filhos e por mais
alguns amigos.
O encargo foi crescendo até que parecia que me esmagaria até a
morte, de tão forte e intenso era o sentimento. Orei ali em silêncio, sem sair
som algum dos lábios, sentindo o coração pulsar e latejar. Compreendi, pela
primeira vez, o verdadeiro significado de Romanos 8.26-27, que fala dos gemidos
inexprimíveis do Espírito ao orar segundo a vontade de Deus em nós. Percebi que
o Espírito Santo havia tomado conta da minha vida e que estava orando através
de mim.
Depois de um tempo, subi para o quarto para falar com minha
esposa. O inimigo estava travando uma batalha intensa contra sua mente e
coração, e ela exclamou: “Não quero ouvir uma palavra, não quero ouvir nada!”.
Foi como se tivesse me esfaqueado no coração. Deitei-me na cama,
ao lado dela, e não disse uma palavra. Meu coração e meu corpo inteiro estavam
pulsando em dor, latejando com o encargo da oração do Espírito.
No dia seguinte, ela se levantou, arrumou as crianças e as levou
ao culto dominical. Continuei na cama, sem forças para me levantar, com o
coração ainda palpitando. Continuei orando, em silêncio, sentindo, por vezes,
que meu corpo não suportaria a palpitação e a pressão do Espírito em oração.
Falei: “Ó Deus, se quiseres me levar, tudo bem, mas eu ainda
queria testemunhar por ti”. O culto na igreja era das 9h00 às 10h00. Às 9h30, o
encargo me deixou, deixando-me leve como um pássaro, cheio de gozo e louvor.
Levantei-me correndo e fui de bicicleta para a igreja, tentando
chegar lá antes do final do culto. Mas quando estava quase chegando, vi que o
culto já terminara, e minha esposa, Ola, e os filhos estavam voltando para
casa. Ola estava sorridente, percebi imediatamente que ela já estava bem.
Quando chegou perto de mim, ela cochichou: “Não sei o que
aconteceu comigo, o inimigo me atacou; nunca senti nada igual em toda minha
vida. Mas, agora de manhã, os dois irmãos chineses que oraram com você ontem
deram testemunho, e a opressão foi embora. Quero que me perdoe e que ore por
mim!”.
Nem fazíamos idéia daquilo que Deus estava preparando para nós
na semana seguinte…
Avivamento em Shantung – Parte 3
Embora talvez pouco conhecido pela maioria dos cristãos, o
Avivamento de Shantung é considerado um dos avivamentos mais significativos na
China e foi, com certeza, o mais poderoso que já houve no meio dos batistas.
Shantung (ou Shandong) é uma província no litoral nordeste da China. Pouco
antes da invasão do país pelo Japão em 1937, no meio da turbulência política
causada por atividade comunista na região, Deus enviou uma poderosa onda de
avivamento que durou aproximadamente dez anos (1927-1937). A seguir, a terceira
parte de uma série de relatos e testemunhos dessa importante visitação.
Charles Culpepper, presidente do seminário batista em Shantung,
na cidade de Hwanghsien, foi uma das peças importantes que Deus usou durante o
avivamento naquela região. Depois que a missionária norueguesa, Marie Monsen,
perguntou para ele se já havia sido batizado no Espírito Santo, Culpepper ficou
profundamente incomodado e iniciou uma busca intensa em oração que levou quatro
anos até receber a resposta. Na segunda parte desta série, vimos como ele foi
poderosamente batizado no Espírito Santo enquanto, simultaneamente, Deus já
estava visitando outras cidades na província.
Logo após o batismo de Culpepper, Deus começou a agir na escola
que os missionários mantinham na mesma cidade. A história do que aconteceu está
na continuação do testemunho do próprio Culpepper.
Avivamento nas Escolas
Na noite daquele domingo [um dia após o meu batismo no Espírito],
uns três ou quatro casais reuniram-se em nossa casa, outra vez. Oramos por
aproximadamente duas horas, e o grupo inteiro de 10 a 12 pessoas foi
tremendamente visitado. Todos ficaram cheios de alegria, alegria transbordante
e indizível, cheio de glória. Rimos, choramos, louvamos a Deus por muito tempo.
Estávamos cheios de gozo, mas não sabíamos o que Deus estava para fazer. Ele
estava preparando tudo para um grande avivamento, trabalhando em nossos
corações, não só em Hwanghsien, mas em vários outros lugares ao mesmo tempo.
A missão batista tinha uma escola em Hwanghsien, para alunos de
12 a 18 anos. Havia umas 600 garotas na escola feminina e uns 1000 garotos na
escola masculina. Na segunda-feira, as escolas estavam recomeçando as aulas,
depois das férias de inverno. Embora fosse uma escola missionária, só havia uns
150 garotos e 120 garotas batizados. Os outros eram, quase todos, de famílias
cristãs, mas que ainda não tinham experimentado uma conversão.
Ao chegarem à escola naquela segunda de manhã, os alunos
encontraram um ambiente já fortemente carregado com a presença do Espírito
Santo. Sem que ninguém organizasse nada ou tomasse qualquer iniciativa, os
alunos começaram a sentir forte convicção de pecados. Tomados de surpresa, os
professores nos chamaram, no seminário, para ir até lá e ajudá-los.
Quando cheguei lá, havia quatro ou cinco garotos e o mesmo
número de garotas em salas desocupadas. Sentindo grande convicção de pecados e
chorando, confessaram que haviam mentido aos pais, colado nas provas, roubado
objetos uns dos outros e sido desonestos em outras ocasiões. Ficamos com eles
por algumas horas, até acertarem a vida com Deus e alcançarem a paz.
Pensamos que no dia seguinte tudo voltaria ao normal e que as
aulas começariam para valer. Mas não foi o que aconteceu. O diretor das duas
escolas mandou um recado para mim e para o Pr. Wong (um dos pastores chineses),
dizendo que Deus estava enviando um avivamento e que ele iria cancelar as aulas
por um tempo. Pediu que eu assumisse uma reunião por dia (às 10 horas da manhã)
e o Pr Wong, a outra (às 19 horas).
Os alunos enchiam a capela, mais ou menos 1.500 pessoas, em cada
reunião. Um bom grupo daquelas 200 pessoas que haviam sido visitadas na semana
anterior [veja a parte II desta série] estava presente também. Ficavam em pé,
em volta do auditório, nas paredes.
Começávamos a reunião, eu lia alguns textos nas Escrituras e
explicava como podiam ser salvos. Mal terminava a explicação, sem esperar o
início dos cânticos, os garotos e as garotas da escola já corriam para frente,
chorando e caindo de joelhos. Aqueles que já haviam encontrado com Deus na
semana anterior vinham e ajoelhavam-se ao lado de cada um, ajudando-os a achar
o caminho da conversão e da paz com Deus. Dezenas de alunos tiveram
experiências com Deus em cada reunião. Ao final de dez dias, cada uma das 600
alunas já estava convertida. Dos 1000 garotos, 900 tiveram experiências de
salvação.
Numa ocasião, no meio da primeira semana, depois de ter pregado
e feito o convite, dezenas de alunos vieram para frente e oramos com cada um.
Estávamos quase prontos para encerrar a reunião quando um dos professores veio
correndo e disse: “Irmão Culpepper, um rapaz, lá no fundo, embaixo da cadeira,
está chamando você”.
Fui até lá e ajoelhei-me ao seu lado. Ele disse: “Sr. Culpepper,
o senhor não me conhece. Sou um ateu, sou comunista. A escola não sabe disso,
ninguém sabe. Mas temos aqui uma célula de uns oito ou dez alunos que também
são comunistas. E estávamos planejando matar o senhor e todos os missionários. Queríamos
queimar as igrejas, exterminar o cristianismo. Hoje ouvi falar sobre esse
avivamento. Falei: ‘Não existe nenhum Deus e não existe nenhum fenômeno que
possa ser chamado de avivamento. Aquele missionário está hipnotizando as
pessoas, e eu vou lá esta noite para impedi-lo’. Cheguei aqui e ouvi o senhor
pregar, vi as pessoas indo para frente, confessando os pecados e chorando.
Então eu disse: ‘Vou calar esse homem agora!’. Comecei a levantar-me do meu
lugar, mas nem cheguei a ficar totalmente em pé quando algo me atingiu bem no
coração. Sei que foi Deus que me derrubou e me jogou aqui embaixo desta
cadeira. Agora aqui estou e quero lhe dizer, sr. Culpepper, que o senhor está
certo e eu estou errado.”
Na noite seguinte, o Pr. Wong estava dirigindo a reunião. Um
garoto do meu lado caiu da cadeira e ficou esticado no chão rígido como uma
tábua, rangendo os dentes e apertando os punhos. Depois de despedir a reunião,
quando os outros haviam ido embora, os professores ficaram em volta do rapaz,
orando por ele. Mas ele disse: “Não orem por mim, levem-me para casa para
morrer”. Continuamos a orar, e finalmente ele disse: “Oh, Deus, se não me
matares, confessarei meus pecados”. Em seguida, confessou praticamente a mesma
coisa que o primeiro do grupo comunista havia confessado.
No final, metade daquele grupo de 10 comunistas foi convertida e
metade fugiu.
Avivamento nas Igrejas
Na semana seguinte, um dos pastores veio falar comigo. Ele era
responsável por uma igreja que eu conhecia bem. Por dois ou três anos, eu havia
dado assistência lá. Com um total de 30 e poucos membros, geralmente a
frequência nos cultos oscilava entre 15 e 20 pessoas. Era uma igreja seca, sem
vida. Nada do que fazíamos surtia qualquer resultado. Quando havia um ou dois
convertidos dentro do período de um mês, ficávamos muito felizes.
Mas, naquela semana depois do avivamento na escola, esse pastor
chegou e disse: “Irmão Culpepper, o povo está chegando aos montões. Estão
enchendo a casa e a área do lado de fora. Preciso de ajuda.”
Fui naquela mesma noite, e realmente o local estava abarrotado.
Tinha gente dentro do pequeno edifício e em todo o espaço em volta dele.
Tentavam ouvir através das janelas e das portas. Fizemos reuniões durante uma
semana, e cada vez que eu pregava, dezenas de pessoas vinham para frente. Ao
todo, 100 pessoas fizeram uma decisão por Jesus, e batizei 86 pessoas no mesmo
dia.
Eu estava transbordando de alegria. Nunca havia batizado mais do
que cinco ou seis pessoas, talvez 8, no mesmo dia. Geralmente, tínhamos que
esperar dois ou três meses para ajuntar esse número. Meu gozo estava completo,
quase insuportável, de poder ficar quase como espectador, vendo Deus agir e
fazer milagres tão tremendos!
Poucas semanas depois, outro pastor veio, desta vez de uma
região mais distante, a uns 150 km da missão. Fui para a cidade dele, e tivemos
duas semanas de reuniões. Deus agiu poderosamente, e 300 pessoas se
converteram. Batizei 203 em um só dia. Mais uma vez, senti tanta alegria que
mal conseguia contê-la.
Na província de Pingtu, onde o avivamento começou (antes de
chegar à nossa província), houve 3000 conversões no primeiro ano. Jamais
sonhamos em ver tantas conversões em apenas um ano. O número de igrejas
dobrou-se, triplicou-se. Não havia mais problemas financeiros na obra de Deus,
pois as pessoas traziam seu dinheiro, traziam seus corações. Elas cantavam,
decoravam os salmos, creio que memorizaram mais de 30 salmos e os adaptaram a
melodias chinesas. Amavam a Bíblia, liam muito a Palavra de Deus. Coisas
maravilhosas aconteciam todos os dias.
É claro que o inimigo não estava satisfeito e não ficou sem
ação, não deixou que avançássemos sem oposição. Usou todos os seus recursos
para nos atacar. Tentou impedir-nos, confundir-nos, imitar-nos. Tentou de tudo
para parar a obra de Deus. Contudo, Deus deu-nos discernimento. Para isso, dou
todo o crédito a ele. Não éramos nós os “entendidos” ou os “espertos”. Era
simplesmente Deus concedendo discernimento ao seu povo.
Testemunhos da Ação de Deus
Houve vários casos de restituição. Um dia, estávamos orando,
todos de joelhos. No final, quando nos levantamos, vimos um pacote de dinheiro
em cima da mesa. Havia moedas (de valor equivalente a um dólar) e algumas
notas. Junto com o pacote, havia uma nota escrita pela esposa de um dos
pastores, dizendo que era o dinheiro do dízimo que ela roubara do Senhor,
retendo-o para si mesma.
Em outra ocasião, um diácono da igreja veio ao culto de santa
ceia trazendo uma cesta carregada de moedas (também com valor aproximado de um
dólar cada). Estava pesada, tinha umas 500 moedas. Ele chegou e colocou a cesta
em cima da mesa da ceia do Senhor. Dentro da cesta, havia um bilhete explicando
que era o dízimo que roubara de Deus durante muito tempo. Várias outras pessoas
começaram a sentir o mesmo toque de Deus para acertar a vida nessa área.
Certa manhã, um homem chegou à reunião de oração com o rosto
inchado e vermelho, lágrimas escorrendo pelas faces. Foi naquela primeira
semana, quando a reunião começou numa terça e continuou, sem interrupção,
durante quatro dias. Sempre havia gente na sala de oração, às vezes pouco mais
de dez pessoas, em outras até 200. Naquela manhã específica, havia umas 50.
“Vocês sabem”, ele nos disse, “que minha esposa não é
convertida. Deus mostrou-me ontem à noite que ela não é convertida por causa de
mim. É impossível ela se converter. Estou vivendo uma vida hipócrita.
“Vocês não conhecem minha esposa. Tenho medo dela, pois é um
verdadeiro terror. Ela não quer que eu dê meu dízimo à igreja. Então tenho
mentido para ela. Tiro o dízimo do meu dinheiro e depois chego em casa e digo
que é só isso que tenho.
“Também em outro assunto eu a tenho enganado. Ela não quer que
eu vá para os cultos. Acha que é uma perda de tempo. Sempre há tanta coisa para
arrumar, para consertar em casa, e ela quer que eu faça essas coisas no lugar
de perder tempo indo para os cultos. Se eu insistisse em ir para os cultos, ela
ameaçava seguir-me até o local e entrar na reunião, gritando, caindo no chão,
fazendo um escândalo e me envergonhando. Vocês não conhecem minha esposa – ela
seria capaz de fazer exatamente isso! Tenho medo dela!
“Então, aos domingos, falo que preciso ir ao mercado. Vou ao
culto primeiro e depois passo no mercado e faço algumas compras. É assim que a
tenho enganado.
“Mas ontem à noite, Deus tratou duramente comigo. Preciso ir
para casa e confessar que tenho mentido para ela. Preciso contar tudo que tenho
feito. Quero que orem por mim.”
Em seguida, ele saiu, enquanto o grupo ficou em oração. Depois
de uma hora ou mais, ele voltou, os olhos ainda cheios de lágrimas, só que
desta vez eram lágrimas de alegria. Em seguida, contou-nos como Deus operara.
Ao bater na porta, a esposa saiu xingando, pois ele não voltara
para casa na noite anterior. Xingou e humilhou o marido com todo o vocabulário
que conhecia. Mas ele disse: “Pare de xingar. Voltei para casa para confessar
meus pecados para você”.
Quando ouviu as palavras “confessar pecados”, a esposa parou.
Pela primeira vez na vida, algo calou os seus lábios. Ela estava surpresa,
atônita. Ele, então, entrou e contou-lhe tudo que Deus lhe havia mostrado como
pecado em sua vida. Ao terminar, ele disse: “Agora já lhe contei tudo que Jesus
apontou em minha vida”.
“Foi Jesus que mandou você me contar tudo isso?”, ela perguntou.
“Sim, foi Jesus. Eu não poderia continuar vivendo sem confessar
essas coisas, sem acertar minha vida com você.”
“Então, acho que preciso de Jesus na minha vida também”, ela
respondeu.
Foi assim que, no espaço de umas duas semanas, ela se converteu
e também todos os seus filhos.
Sentimento de Indignidade
Esse foi apenas um exemplo das coisas maravilhosas, dos milagres
que Deus operou naqueles dias. Em tudo, nos sentíamos muito insignificantes,
era apenas assistir, ficar de lado observando enquanto Deus agia. Eu me sentia
tão indigno que queria morrer, sumir de tão indigno.
Senti-me como os discípulos, quando Jesus estava no barco deles
e ordenou que se dirigissem para o meio do lago e lançassem as redes. “Senhor”,
eles responderam, “trabalhamos a noite inteira e não pegamos nada. Porém, sobre
tua palavra, o faremos.”
Abaixaram as redes e pegaram peixes para encher dois barcos.
Ficaram tão estupefatos que caíram aos pés de Jesus. “Senhor”, disse Pedro,
“retira-te de mim, porque sou pecador.”
Era exatamente assim que me sentia. Antes do avivamento, labutávamos,
nos esforçávamos, empurrávamos, usávamos nossos métodos e recursos, tudo que
podíamos imaginar para ganhar pessoas para Cristo, para achar o avivamento,
para fazer a obra de Deus. Depois, quando o avivamento chegou, de acordo com a
ordem de Deus, ele desceu com o poder do seu Espírito. Vimos multidões sendo
salvas. Coisas impressionantes aconteceram, e isso continuou por mais ou menos
15 anos.
O Propósito de Deus no Avivamento
Havia períodos de explosão, quando o avivamento espalhava-se
como chamas de fogo fora de controle durante alguns meses. Depois, acalmava-se,
entrando em uma fase mais quieta em que o Espírito Santo aprofundava a obra.
Nesses períodos, havia mais ensinamento, mais estudo da Palavra. Depois de
algum tempo, as chamas irrompiam outra vez.
O avivamento espalhou-se por toda nossa província de Shantung e
por mais cinco províncias no norte. Continuou sem parar por quase 15 anos, até
a chegada dos comunistas. Até durante a guerra com o Japão, quando todos os
missionários foram expulsos, os pregadores e obreiros chineses continuaram
levando a Palavra.
Tenho muita convicção de que Deus, sabendo o que viria para a
China (a guerra com os japoneses e, depois, a vinda dos comunistas), enviou o
avivamento para preparar o seu povo. Ele sabia que todos os missionários, todos
os auxílios e suportes que foram dados para fundamentar e fortalecer a Igreja
na China seriam retirados. E ele queria que os próprios chineses, os pastores e
obreiros e todos os homens e mulheres na igreja pudessem realmente conhecer a
Deus, face a face, e ser cheios de poder.
Hoje, quando não há mais missionários lá, ninguém pode pregar
abertamente e as igrejas estão fechadas, as pessoas lá têm a presença de Deus.
Não têm permissão de possuir Bíblias, não podem reunir-se em igrejas. Porém,
têm um sistema subterrâneo, um jeito de superar isso que é maravilhoso. E Deus
está ali com eles.
Creio firmemente que Deus queria prepará-los para o que viria e,
por isso, enviou esse grande avivamento no tempo apropriado. Agora, recebemos notícias
deles por vias que não podemos revelar.
Embora seja ilegal possuir Bíblias, eles ainda têm algumas.
Nunca podem levar uma Bíblia a uma reunião. Mas usam uma senha secreta e
reúnem-se em grupos de quatro ou cinco pessoas, em noites escuras, debaixo de
uma ponte ou outro local afastado. Escondem uma página da Bíblia dentro de um
tubo de bambu, ajoelham-se juntos, embaixo de uma coberta, usando uma lanterna,
choram juntos, lêem uma passagem, oram e consolam um ao outro. Para eles, a
Bíblia é um tesouro de valor infinito. Dariam tudo para desfrutar das
oportunidades que temos aqui no mundo livre.
Deus sabe o quanto precisamos de um avivamento como aquele em
nossos dias, aqui no mundo ocidental. No avivamento, Deus mesmo age. Ninguém
mais nos poderá ajudar. Somente Deus.
Avivamento em Shantung – Parte 4
Embora talvez pouco conhecido pela maioria dos cristãos, o
Avivamento de Shantung é considerado um dos avivamentos mais significativos na
China e foi, com certeza, o mais poderoso que já houve no meio dos batistas.
Shantung (ou Shandong) é uma província no litoral nordeste da China. Pouco
antes da invasão do país pelo Japão em 1937, no meio da turbulência política
causada por atividade comunista na região, Deus enviou uma poderosa onda de
avivamento que durou aproximadamente dez anos (1927-1937). A seguir, a quarta
parte de uma série de relatos e testemunhos dessa importante visitação.
Um dos instrumentos que Deus usou para iniciar o avivamento em
Shantung foi a missionário norueguesa, Marie Monsen, como vimos em capítulos
anteriores. A seguir, algumas informações adicionais sobre sua maneira de
ministrar, relatados por uma colega de ministério.
Em novembro de 1931, na província de Honan, um grupo de
missionários estava aguardando o retorno da nossa companheira de missão, Marie
Monsen. Em 1927, Deus a havia usado poderosamente nas províncias de Chili,
Shantung e Shansi para avivar as igrejas lá. Parecia-nos estranho que Deus a
tivesse levado do nosso meio para despertar igrejas em outros locais enquanto nós
continuávamos ansiando e orando por um avivamento em nosso próprio campo.
Os missionários mais antigos há muito oravam com perseverança e
lágrimas por causa da falta de vida nas igrejas. Mas, com as notícias da
visitação de Deus em outros lugares, nossas orações tomaram nova vida. Cada
carta de Marie Monsen trazia novo ímpeto para nós, intensificando nossas
orações com o passar do tempo, até que se tornaram uma espécie de chamada de
emergência.
Finalmente, tivemos a notícia de que ela estaria conosco na conferência
anual da missão em Chenping, de 13 a 15 de novembro. Havia uma sensação geral
de expectativa durante nossa viagem para o local da conferência, e não fomos
desapontados nisso. Foi uma experiência realmente inesquecível.
O primeiro texto que ela usou foi de João 3: “Necessário
vos é nascer de novo”. A
maior parte de sua pregação consistia em perguntas curtas, lançadas com
seriedade santa e penetrante: “Por que você é cristão? Não é porque deseja
entrar no céu? O que Jesus diz aqui? ‘Se alguém não nascer de novo,
não pode ver o reino de Deus.’ Você
não pode ver, não pode…” Estas palavras penetravam como chumbo no coração dos
ouvintes.
O texto seguinte foi Apocalipse 20.12, a respeito dos pecados
que estavam registrados nos livros com tanta clareza e definição. Também em
Jeremias 17.1, sobre os pecados escritos“com
um ponteiro de ferro”, gravados “na tábua do coração”, de tal forma que ninguém pode
apagá-los.
Outro texto usado foi em Marcos 14.3-11, sobre Judas. “Ele era
um pregador do evangelho”, ela disse. “Era membro da igreja, um discípulo. Mas
era falso, um ladrão. Você é um pregador do evangelho ou é um ladrão?”
Ela se dirigia, em primeiro lugar, aos líderes e obreiros das
congregações. Falou do texto em Provérbios 28.13 a respeito de encobrir os pecados.
Todos nascem com a inclinação de encobrir os próprios pecados. Também usou
Isaías 59.1-4 (“vossas iniquidades fazem
separação entre vós e o vosso Deus”); Isaías 64.6 (“todas as nossas justiças como
trapo de imundícia”); 1 Coríntios 6.9 e Marcos 7.21-23, junto com a
pergunta: “Este texto contém um catálogo de pecados; leia e veja se seus
pecados estão relacionados aqui”.
Em seguida, falou de João 1.14: “cheio
de graça e de verdade”. “Ele
não permitirá que você permaneça cheio de falsidade e engano. Se você
tão-somente reconhecer seus pecados diante de Deus, eles se tornarão brancos
como a neve (Is 1.18).”
Finalmente, exortou os convertidos a permanecerem na vontade de
Deus. “Os não convertidos deixaram a vontade de Deus para trás. Os convertidos
têm a vontade de Deus diante de si. Alguns estão dentro dela, outros estão
fora. Tentam esticar a vontade de Deus para conformá-la à vontade própria.”
No final de cada reunião, ela ficava em pé perto da porta, e
poucos conseguiam passar sem serem indagados: “Você já nasceu de novo?”
“Cortava o coração como a ponta de uma espada”, eles relatavam
depois. Na reunião seguinte, a espada penetrava de novo: “Você ainda está no
caminho da destruição?”.
Muitos iam conversar com ela e confessar seus pecados, mas ela
os mandava embora, às vezes por três ou quatro vezes. Não estavam sentindo
verdadeira necessidade. “Ore para que o Espírito de Deus o ilumine a respeito
de seus pecados”, era a advertência que recebiam. Ela nunca cansava de
alertar-nos: “Não colha fruto que não está maduro”.
Depois da conferência, houve uma série de reuniões especiais
para obreiros e líderes. Aqueles que estavam presentes testemunharam de
manifestações poderosas do Espírito Santo durante aqueles dias. Marie Monsen
passou uma noite inteira em oração para obter coragem de chegar ao Pastor Han
Liu Ging e dizer que temia que ele ainda não tinha vida nova em Deus. Ele
passou a sentir grande convicção do Espírito e, depois de dois dias, encontrou
libertação.
Mais tarde, ele relatou que algo derreteu no seu interior quando
Marie o chamou à parte. Ele sentiu que o amor de Deus a impelia e que precisava
render-se. Posteriormente, tornou-se um auxiliar de Marie durante uma série de
reuniões e foi usado por Deus para espalhar o avivamento.
A estratégia de Marie era primeiro destruir a falsa segurança
dos membros de igreja. Ela falava a respeito dos diversos tipos de remendos que
os não regenerados usavam para se encobrirem e convencerem a si mesmos que eram
convertidos. Depois ela falava a respeito de pecados, um por um. Segundo ela,
foi só depois de vários dias de luta em oração que alcançara disposição de
“descer no lamaçal e na podridão do pecado” e falar abertamente do sexto
mandamento, contra o adultério. Quando obedecia e trazia esse pecado específico
à luz, porém, uma das fortalezas mais resistentes de Satanás se rompia, enfim.
Outro texto que pesava muito no espírito dela era: “Horrível
coisa é cair nas mãos do Deus vivo” (Hb 10.31). Com essas palavras, muitas
pessoas eram levadas a ficar face a face com Deus.
Finalmente, as palavras de promessa graciosa das Escrituras
vinham como bálsamo nas feridas abertas. “Se Jesus, que não tinha pecado, não
tivesse assumido o pecado em nosso lugar, Deus nunca poderia ter dito ‘Venha’
ao pecador. Quando você estiver bem sério sobre seus pecados, Deus, que não
pode suportar o pecado, falará palavras de consolo ao seu coração.”
Em cada série de reuniões, não havia um movimento muito
pronunciado nem grandes resultados visíveis. Ela sempre estava atenta para
impedir manifestações emotivas muito fortes ou confissão pública. Tudo era
conduzido sem alarde. Depois de Marie ir embora, ficava evidente que o Espírito
de Deus havia deixado marcos profundos. E podíamos começar a fazer a colheita
de almas.
Avivamento em Shantung – Parte 5
Nesta quinta parte da série de relatos sobre a visitação de Deus
na província de Shantung, na China, de 1927 a 1937, contamos como a missionária
norueguesa Marie Monsen foi protegida por Deus durante um sequestro por
piratas.
Na primavera de 1929, Marie Monsen embarcou no porto chinês de
Tientsin com destino a Hwanghsien, na província de Shantung, onde iria ministrar
em uma série de reuniões. Na soberania de Deus, ela acabou pegando um navio que
partiu um dia antes da data planejada. Ela também foi dirigida por Deus, sem
entender o motivo, a comprar dois ou três quilos de maçãs, para levar na
viagem. Além disso, levou quatro caixas de chocolate.
“Nunca antes, eu havia guardado tanto chocolate”, ela contou
depois. “Desde o final de fevereiro, comecei a receber esses pacotes de
chocolate, e cada vez que chegava um, eu ouvia as palavras: ‘Guarde isso para
uma emergência’. Eu tinha alguns biscoitos, biscoitos secos. Várias vezes, eu
quis deixar essas coisas para trás, mas sempre ouvi as mesmas palavras:
‘Guarde-as para uma emergência’.”
No segundo dia da viagem, Marie descobriu para que precisaria de
tudo isso. Logo de manhã, quando estavam se aproximando da costa de Shantung,
ela ouviu o som de tiros vindo de várias direções do navio. Uns vinte ladrões
haviam se infiltrado no navio como passageiros comuns e estavam, naquele
instante, tomando o controle de tudo. Enquanto isso, Marie ouviu as seguintes
palavras no seu espírito: “Esta é a prova da sua fé”.
Ao invés de sentir medo, ela sentiu um forte impulso de alegria e expectativa.
“Fui lembrada, imediatamente”, ela contou, “de um texto que eu
havia usado muito nos últimos anos. Está em Isaías 41.10, e era assim que eu o
lia: ‘Não temas, Marie, porque eu sou contigo; não te assombres, Marie,
porque eu sou o teu Deus; eu te fortaleço, Marie, com a minha destra fiel. Não
temas, Marie’.
De repente, as portas foram abertas e os piratas ordenaram que
os passageiros saíssem das cabines e fossem para o convés. Marie não se mexeu.
Ela sabia que estava justamente naquele navio, que partira um dia antes do
previsto, porque o Senhor queria que ela estivesse lá. Até a cabine em que
estava fora uma resposta à oração, porque quando chegara para procurar
passagem, não havia vaga nenhuma no navio, e um oficial lhe cedera a cabine
dele. Por isso, resolveu não sair de lá.
Um jovem ladrão entrou na cabine e exigiu o relógio dela. Depois
mandou guardá-lo, pensando em voltar mais tarde para buscá-lo. Só que pouco
depois, um outro ladrão chegou e exigiu que Marie lhe desse o relógio como
presente. Quando ela se recusou, o ladrão ameaçou atirar nela.
“Ah, não”, ela respondeu. “Você não pode atirar em mim. Não pode
atirar em mim só porque você quer.”
Então, ela citou a promessa de Deus e explicou o significado
dela. “Meu Deus disse que nenhuma arma forjada contra mim prosperaria. Você não
pode usar sua pistola à hora que quiser e atirar contra mim. É preciso ter uma
permissão especial do Deus vivo para fazer isso.”
Gesticulando, o ladrão apontou a arma para ela novamente. “Você
não pode fazer isso, não pode”, ela insistia. “Tenho uma promessa de Deus de
que nenhuma arma forjada contra mim prosperará.”
Ela repetiu isso umas quatro vezes para o ladrão. Depois disso,
várias vezes durante os 23 dias em que estiveram no navio, ela ouviu o moço
repetir as palavras para si mesmo. Embora não quisesse aceitá-las, parecia que
não tinha como se livrar delas.
“Imagine, ela disse que não posso atirar contra ela quando quero
porque Deus lhe prometeu que nenhuma arma forjada contra ela prosperaria!”
Outra promessa que Marie tomou para si foi do profeta Malaquias. “Poupá-los-ei,
como um homem poupa a seu filho que o serve. Então vereis outra vez a diferença
entre o justo e o perverso, entre o que serve a Deus e o que não o serve” (Ml 3.17,18).
Marie pediu a Deus que houvesse uma diferença tal entre ela,
como filha de Deus, e os outros duzentos passageiros no navio, que todos
pudessem ver que ela tinha um Deus vivo, que o Deus dela era verdadeiramente
Deus, merecedor de todo louvor. E suas orações foram respondidas.
Um muro de fogo
A seguir, um testemunho da proteção de Deus nas palavras da
própria Marie.
Vi dois ladrões do lado de fora da minha cabine. Eu já vira
vários ladrões antes na China, mas nunca vi ninguém com aspecto mais sinistro
do que aqueles dois. Um empurrou o outro para dentro da minha cabine e fechou a
porta. Ele tentou trancá-la, mas a chave estava quebrada. Então, lá estava esse
homem dentro do cubículo que era minha cabine. Senti que o próprio diabo em
pessoa estava ali. O rosto, o pescoço e as mãos dele estavam cheios de feridas
horríveis, feridas abertas.
Ele sentou na minha mala, quase respirando sobre meu rosto.
Repeti a promessa que já me sustentara muitas vezes na província infestada de
ladrões onde eu morava: “O anjo do Senhor acampa-se ao
redor dos que o temem, e os livra” (Sl
34.7). E lembrei-me de uma outra promessa naquele momento: “Pois
eu lhe serei, diz o Senhor, um muro de fogo em redor” (Zc
2.5). Um muro de fogo em meu redor.
Uma vez, quando precisei atravessar um distrito cheio de
ladrões, na noite anterior o Senhor permitiu que eu o visse. Acordei de repente
e parecia que o telhado fora retirado da casa. Vi uma muralha de fogo mais alta
do que a casa, em toda a minha volta, e ouvi uma voz que dizia: “O Senhor é
como um muro de fogo em redor de seu povo”. Eu via flechas vindo de fora, uma
quantidade incalculável de flechas; mas as chamas as consumiam, e nenhuma
conseguiu atravessar aquela muralha de fogo que me cercava. Já conhecia aquele
texto há muitos anos, mas nunca compreendera o significado como naquele
momento.
Então tomei posse da promessa de que o Senhor seria como uma
muralha de fogo ao meu redor ali na cabine do navio. E, logo em seguida, aquele
homem infame sentado à minha frente estava preso contra a parede, antes que
pudesse tocar em mim.
Comecei a conversar com ele. “Sua mãe ainda está viva?”
“Sim”, ele respondeu.
“Quantos anos ela tem?”
Quando ele me contou, eu disse: “Bem, é mais ou menos a minha
idade”. Perguntei a respeito de seu pai e do resto de sua família, e acabamos
conversando muito. Pedi que ele abrisse a porta, e ele me atendeu. Descobri que
ele conhecia um missionário. “É um homem muito bom, não há homem melhor no
mundo”, ele disse. Ele conhecia alguns outros cristãos verdadeiros também.
Conversamos por uma hora e, quando ele saiu, estava com lágrimas nos olhos. Ele
saiu com aspecto bem quebrantado, e nunca mais o vi perto da minha porta.
O sustento de Deus
Durante cinco dias e noites, os piratas assaltaram toda
embarcação que encontravam e mandavam o saque para o acampamento deles em
terra. No segundo dia, um outro barco chegou com mais armas e munição, e o número
de bandidos aumentou para 50 ou 60 homens.
Entre os bens roubados das diversas embarcações, havia toda
espécie de enlatados e finas iguarias alimentícias. Os piratas comiam perto da
cabine de Marie. Sempre ofereciam para ela também, mas ela sempre recusava.
“Não posso comer aquilo que foi roubado”, ela dizia.
“Mas você vai morrer de fome.”
“Não, meu Pai é capaz de me sustentar”, ela afirmava.
Durante nove dias, o sustento dela veio das maçãs, dos
chocolates e dos biscoitos que trouxera, sem saber por quê. No décimo dia, o
segundo oficial do navio, que lhe cedera a cabine, veio e bateu à porta dela.
Perguntou se ela tinha alguma coisa para comer e, quando descobriu que já
acabara tudo, disse-lhe: “Bem, eu tenho uma caixa de ovos nesta cabine que
comprei em Tientsin com meu próprio dinheiro, dinheiro limpo. Tenho uma caixa
de bolos chineses também. Você pode ficar com tudo.”
“Do décimo dia até o final dos 23 dias”, ela contou, “Tive um
ovo de manhã, um ovo para o almoço, às vezes dois, e um ovo para a refeição da
tarde. Eu orava para que o Senhor fizesse daquele ovo uma verdadeira refeição,
que valesse para mim como se fosse legumes e fruta e tudo aquilo de que
necessitava. Foi exatamente isso que ele fez. Não tive problema nenhum por
falta de comida; quando terminava de comer um ovo, sentia-me tão satisfeita que
não daria conta de mais nada, mesmo que tivesse algo mais para comer.”
Todos os dias, enquanto os piratas comiam, Marie entregava
folhetos para os homens. Um lia em voz alta, e os outros explicavam o
significado. Muitas vezes, segundo seu testemunho, via lágrimas nos olhos
deles. Diziam: “Só podemos ser muito maus. Você, não. Você nasceu boa. Não nos
odeia como os outros passageiros”.
Então ela explicava que nascera com o mesmo coração mau que
todos os homens têm. E falou da única maneira de ter o coração transformado.
Todos os dias, o homem que era considerado o chefe do grupo
vinha no começo da noite, enquanto Marie ficava no convés para respirar um
pouco de ar fresco.
“Conversamos durante horas, todos os dias”, ela contou. “Mesmo
na última noite (eu não sabia que seria a última noite), conversamos durante
umas duas horas sobre os assuntos que eu queria. Falei sobre o futuro, sobre a
volta de Jesus, sobre a tribulação que viria sobre a terra e como o Senhor
viria para buscar seu povo.”
Às vezes, alguns tentavam provocá-la. “Você não sabe que vale
muito dinheiro? Não está impaciente? Não está louca para ser libertada e ficar
livre de nós?”
“Não”, ela respondeu. “Deus me enviou para a China para pregar o
evangelho, e agora ele quer que eu pregue para vocês. Então estou disposta a
ficar aqui enquanto ele quiser. Foi ele que permitiu que isso acontecesse.”
Eles ficavam admirados com a sua tranquilidade. “Você consegue
entender a paz que ela tem? Dá para ver no rosto dela. Olhe para os
passageiros; estão pálidos, exaustos e mais impacientes a cada dia que passa.”
Marie agradeceu a Deus por ter respondido sua oração e mostrado
para eles a diferença.
Tirando a presa do valente
Nos últimos cinco dias, a maior questão para os piratas era o
que fazer com Marie Monsen. Em três ocasiões diferentes, planejaram tudo para
fugir do navio, levando-a consigo, mas cada vez algo acontecia para frustrar os
planos. Eles tinham quarenta ou cinquenta embarcações que haviam assaltado e
confiscado e que estavam lotados com os bens saqueados. Pretendiam colocar
Marie em uma delas, quando surgiu uma forte tempestade, impedindo-os de
deixarem o navio. Cada vez, ficava mais forte a percepção de que o Deus dela
não estava permitindo que a levassem.
O vigésimo terceiro dia caiu num domingo. Às três horas da
tarde, ouviu-se um tiro. Uma embarcação armada estava se aproximando. A maioria
dos ladrões abandonou o navio. Deixaram apenas dez. Houve uma perseguição
acirrada durante umas duas horas. Os piratas queriam deixar o navio e levar
Marie junto.
“Precisamos levar a estrangeira”, diziam. “Não vão atirar contra
nós se virem o rosto estrangeiro.”
No fim, entraram num dos barcos. Marie ouviu a conversa deles:
“O que adianta trazer a estrangeira? Ela não come quase nada há 23 dias. Não
conseguirá correr, não conseguirá nem andar. Veja as circunstâncias em que
estamos; deixem-na para trás!”
“Assim fui deixada pelos piratas”, testemunhou Marie. “É claro
que fui. Como diz a Escritura: ‘Por certo que os presos se
tirarão ao valente, e a presa do tirano fugirá’ (Is
49.25).”
Marie também testemunhou a respeito da importância da oração
durante todo esse período de provação. “Durante os primeiros quatro ou cinco
dias, os amigos e irmãos em Cristo não sabiam o que estava acontecendo; por
isso, ninguém estava orando. Naqueles dias, senti que estava nadando contra a
correnteza; mesmo assim, tive confiança que receberia forças e que teria a
vitória. Depois que as notícias chegaram, e as pessoas começaram a orar, senti
uma grande diferença. Era como se estivesse flutuando nas águas, sem fazer
esforço algum, apoiada firmemente nas promessas. Nos últimos sete dias do
seqüestro, meus familiares receberam uma notícia equivocada de que eu já fora
libertada. Então fizeram reuniões de louvor e gratidão. Na verdade, foram os
dias mais difíceis, quando houve uma luta terrível entre as forças das trevas e
as forças da luz. Entretanto, foi justamente nesse período que fiquei
transbordando de alegria; mais de uma vez, parecia que ia explodir de tanta
alegria no Senhor.”
Depois que os últimos piratas deixaram o navio, os passageiros
vieram correndo e cercaram Marie Monsen. Pediram os folhetos que ela tinha para
distribuir. Disseram-lhe: “Vimos que o seu Deus é o Deus verdadeiro e queremos
crer nele também”.
“Agradeço a Deus”, ela concluiu, “pelo Livro maravilhoso de
promessas. Agradeço-lhe também pela sua fidelidade e por ter tido o privilégio
de experimentá-la em minha vida.”
BIBLIOGRAFIA jornal o arauto de sua vinda,edições selecionadas.
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