domingo, 6 de julho de 2014

AVIVAMENTO EM ATOS CESAREIA E ANTIOQUIA



AVIVAMENTO EM CESAREIA E ANTIOQUIA -ATOS
TESTEMUNHANDO AOS GENTIOS, 10.1-11.30

Samaria, como já foi observado (8.5) na lição anterior, era uma espécie de local intermediário entre os judeus e os gentios. A execução da comissão de Cristo envolvia em primeiro lugar a evangelização dos judeus em Jerusalém, em seguida a dos samaritanos, e finalmente a dos gentios. Mas todos os acontecimentos registrados neste capítulo tiveram lugar na Judéia. Assim, ainda nos encontramos na segunda parte de Atos 1.8.

1. As Visões (10.1-16)

Duas visões estão registradas nesta seção: a de Cornélio em Cesaréia e a de Pedro em Jope. Nos dois casos, o indivíduo que teve a visão foi preparado para o contato com o outro homem. Deus estava operando nas duas pontas.
a. Cornélio em Cesaréia (10.1-8). Cesaréia (1) era o principal porto da Palestina e a capital do governo romano ali. Herodes, o Grande, tinha construído no lugar da Torre de Strato uma magnífica cidade e um porto deslumbrante, protegido por um extenso quebra-mar. Apesar da sua importância, a cidade é mencionada no Novo Testamento somen­te no livro de Atos (quinze vezes).
Cornélio era um nome muito comum no Império Romano. Isto se devia, em parte, ao fato de que, em 82 a.C, Cornélio Sullalibertara dez mil escravos e lhes dera o seu próprio nome. Este Cornélio era um centurião — lit, "chefe de cem homens", ou seja, um oficial que tinha cem soldados subordinados a si. Era um centurião da coorte(Parte de uma legião, entre os antigos romanos) chamada Italiana. Uma coorte normalmente consistia em seiscentos homens  a décima parte de uma legião que era de 6.000 homens.
Quatro coisas são ditas a respeito de Cornélio. A primeira, que ele era piedoso (2). O adjetivo que significa "religioso" é encontrado (no NT) somente aqui, no versículo 7 e em 2 Pedro 2.9. Em segundo lugar, ele era temente a Deus, com toda a sua casa.Bruce diz que estas duas expressões, "embora não sejam especificamente termos técnicos... geralmente são usadas no livro de Atos para se referirem àqueles gentios que, embora não totalmente prosélitos... se relacionavam com a religião judaica, praticando a sua adoração monoteísta e sem imagens, freqüentando a sinagoga, respeitando o sábado e as leis sobre a comida, etc". Algumas vezes, fazia-se referência a essas pessoas como "pro­sélitos de portão". Mas em um artigo sobre "prosélitos e tementes a Deus", Kirsopp Lake insiste que a expressão "prosélito de portão" deve ser abandonada, por não ter validade histórica. As pessoas eram prosélitos ou não. Gloagconcorda com isto, ao escrever. "O único proselitismo que os judeus parecem ter reconhecido era quando os gentios adotavam completamente a lei... pensamos, assim, que não havia, pelo menos na época dos apósto­los, uma classe como os "prosélitos de portão".Cornélio não era um prosélito, como mostram as palavras de Pedro no versículo 28. Um prosélito era considerado como per­tencente à congregação dos judeus; este não era o caso de Cornélio.
A terceira coisa que se afirma sobre este homem é que ele fazia muitas esmolas ao povo, i.e., aos judeus. A quarta coisa é que,de contínuo, orava a Deus. Ele era um dedicado adorador do Deus verdadeiro. No entanto, não era um membro da comunidade judaica nem da igreja cristã.
Certo dia, Cornélio estava orando (cf. 30) em sua casa, quase à hora nona do dia (três horas da tarde) — a hora da oferta do sacrifício da tarde no Templo, quando os judeus devotos e os tementes a Deus estariam envolvidos na oração (cf. 3.1). Ele viu... numavisão um anjo de Deus, que se dirigia para ele e chamava o seu nome: Cornélio! (3). O termo claramente é a tradução literal (NEB).Fixando os olhos nele — melhor "olhando fixamente para ele" (ASV) — ficou muito atemorizado (4). Esta é normalmente a reação daqueles que são confrontados por anjos, como observam as Es­crituras. Mas o mensageiro celestial falou com palavras que eram ao mesmo tempo uma saudação e um conforto: As tuas orações e as tuas esmolas têm subido para memó­ria diante de Deus. O nomememória — ou memorial — era dado "à porção da oferta de alimentos que o sacerdote deveria queimar sobre o altar, para que fosse uma oferta queimada de cheiro suave ao Senhor (Lv 2.2)". As orações e esmolas de Cornélio tinham sido como a sua oferta, e agradaram a Deus.
O anjo instruiu Cornélio, dizendo: envia homens a Jope e manda chamar a Simão, que tem por sobrenome Pedro (5). Simãoera, supostamente, o nome mais comum entre os judeus daquele tempo. Assim, este Simão precisava ser identificado pelo seu sobrenome, Pedro. Na verdade, ele estava hospedado na casa de Simão, um curtidor (6), o que tornava a identificação ainda mais necessária. A casa do curtidor ficava junto do mar. Provavelmente, havia duas razões para isto. Uma delas era a sua profissão, que envolvia a manipulação de animais mortos, o que o deixava impuro; assim era exigi­do que ele morasse fora da cidade. A outra razão era que o seu negócio provavelmente envolvia o uso de água do mar.
Quando o anjo se retirou, Cornélio chamou dois dos seus criados (7) — uma única palavra em grego, que significa "aqueles que moram na casa" — e a um piedoso soldado dos que estavam ao seu serviço. A sua própria vida devota tinha influenci­ado até mesmo os seus criados e soldados. Ele contou a estes três homens de confiança sobre a sua visão, e então os enviou a Jope (8). Eles deveriam encontrar Simão Pedro e trazê-lo.

bPedro em Jope (10.9-16). No dia seguinte — um dia depois que os mensageiros tinham deixado Cesaréia — eles... estando já perto da cidade (9), i.e., Jope. Era a hora sexta (o meio-dia) e subiu Pedro ao terraço para orar. Esta não era uma das horas regulares de oração. Mas as almas devotas podem perfeitamente estar envolvidas em orações privadas nessa hora (cf. Sl 55.17). Este tipo de oração é sempre apropriado. A distância entre Cesaréia e Jope era de 48 quilômetros. Houve consideráveis diver­gências de opinião relativas a quando os servos deixaram Cesaréia — se foi no mesmo dia da visão ou na manhã seguinte. Também houve discussões sobre o seu meio de trans­porte — se foi a pé ou a cavalo — e quanto tempo levaram para fazer a viagem. Os fatos declarados na narrativa são que eles chegaram a Jope aproximadamente ao meio-dia do dia seguinte (9), passaram a noite ali com Pedro e partiram "no dia seguinte" (23), e então, "no dia imediato" (24) chegaram de volta a Cesaréia — provavelmente no final da tarde. Um dia de viagem a pé normalmente corresponde a 32 quilômetros, assim, a me­lhor reconstrução parece ser a seguinte: Os criados de Cornélio saíram de Cesaréia na manhã seguinte ao dia da visão, viajaram 32 quilômetros, e pararam para passar a noite. No dia seguinte eles percorreram os16 quilômetros que faltavam, chegando a Jope aproximadamente ao meio-dia. Depois de passar ali a noite, iniciaram a viagem de volta na manhã seguinte (o terceiro dia depois da visão). Tendo feito uma parada para dormir, eles percorreram os últimos 16 quilômetros no quarto dia. Isto está em perfeito acordo com a afirmação que Cornélio faz a Pedro: "Há quatro dias... diante de mim se apresentou um varão com vestes resplandecentes" (30-31).

Quando Pedro estava orando no terraço em Jope, tendo fome (10), quis comer. Enquanto lhe preparavam a refeição do meio-dia, sobreveio-lhe um arrebatamento de sentidos. A palavra grega que foi traduzida como "êxtase" por algumas versões significa literalmente "ficar fora de si".
Neste transe Pedro viu o céu aberto (11) e a aparição de um grande lençol atado pelas quatro pontas, vindo para a terra. Nele havia de todos os animais quadrúpedes, répteis da terra e aves do céu (12) — "tudo o que caminha, ou rasteja ou voa" (NEB). Lumbyobserva: "Freqüentemente, aceita-se o significado do lençol aberto como uma imagem de todo o mundo, e das quatro pontas como as direções nas quais o Evangelho deveria ser levado por todo o mundo".
Uma voz lhe ordenou: Levanta-te, Pedro! Mata e come (13). Mas Pedro protestou veementemente: De modo nenhum, Senhor, porque nunca comi coisa alguma comum e imunda (14). O uso de comum (koinos) com o sentido de imunda é explicado assim porLumby: "Todas as pessoas que não eram judias eram vistas como a ralé 'co­mum', excluída do concerto de Deus... assim, quaisquer costumes destas pessoas, diferentes daqueles do povo escolhido, eram chamados coisas 'comuns', e como essas coisas 'comuns' eram proibidas pela lei, todas as coisas ou ações proibidas ficaram conhecidas como sendo 'comuns'. As leis a respeito dos alimentos puros e impuros são encontradas no capítulo 11 de Levítico.
Uma segunda vez, a voz falou. Desta vez, ela disse: Não faças tu comum ao que Deus purificou (15). O significado destas palavras é explicado da seguinte forma por Gloag: "Os judeus consideravam os animais impuros como uma imagem dos gentios, a quem eles chamavam de 'cães'. Mas agora Pedro aprendia que todos os homens estavam no mesmo patamar, aos olhos de Deus". Havia ainda outra implicação: "A diferença entre carnes puras e impuras, a qual correspondia a uma parte tão considerável da lei mosaica foi abolida; assim, uma das grandes barreiras de separação entre os judeus e os gentios foi removida". Isto era necessário tanto para a evangelização do mundo, como para a unidade da Igreja.
E aconteceu isto por três vezes (16). Aparentemente, toda a cena se repetiu. Alexander comenta: "Esta repetição da revelação, sem dúvida exatamente da mesma forma, pode ter tido a intenção parcial de gravá-la na memória, mas principalmente de impedir a suspeita de que fosse um mero sonho ou imaginação".
Esta seção (1-16) exemplifica a "preparação para a revelação". Se quisermos nos comunicar com o céu, devemos satisfazer as condições cumpridas tanto por Cornélio quanto por Pedro:
1. Eles eram homens devotos (1-4,9);
2. Eles deixavam tudo de lado para orar (9,30);
3. Eles esperavam em Deus até que o ouvissem (3-6,13-15,19-20).

2. Visitas (10.17-29)

a.  Os Criados em Jope (10.17-23a). Estando Pedro duvidando entre si (17), i.e., estava "perplexo" (ASV), quanto ao que seria aquela visão, os criados enviados por Cornélio pararam do lado de fora da porta da casa onde ele estava. Como eram gentios "impuros", eles não pensaram em entrar na casa, mas, chamando, perguntaram se Simão Pedro esta­va hospedado ali (18). Se a porta estivesse trancada, qualquer visitante teria de chamar do lado de fora. Na verdade, hoje é o costume em terras orientais chamar ao invés de bater.
E, pensando — um composto forte (somente aqui no NT), que significa "ponde­rando" — Pedro naquela visão, disse-lhe o Espírito que três varões o procura­vam (19). Pedro recebeu a ordem de ir com eles, não duvidando (20). Duvidando é um verbo composto que significa "estar com a mente dividida ou hesitar". Aqui, não duvidando significa "sem hesitar" (RSV). Deus tinha enviado esses mensageiros, e Pedro devia ir com eles.
De forma obediente, Pedro desceu e conversou com os homens (21). Eles lhe contaram sobre a visão de Cornélio, que tinha sido avisado (22) — ou "instruído, orientado" — a mandar buscar Pedro. O apóstolo, chamando-os para dentro, os recebeu em casa (23), apesar de serem gentios. A visão de Pedro já estava produzindo resultados.

b. Pedro em Cesaréia (10.23b-29). No dia seguinte, o apóstolo partiu com os mensageiros de Cornélio. Felizmente para Pedro,foram com ele alguns irmãos de Jope. Quan­do fosse em breve desafiado por alguns da igreja de Jerusalém, ele precisaria do testemunho destes homens para explicar exatamente o que aconteceu na casa de Cornélio. Deste modo, a presença deles era providencial.
No dia imediato (24) — o quarto dia desde que Cornélio teve a sua visão (ver os comentários sobre o v. 9) — o pequeno grupo chegou a Cesaréia. Além do soldado e dois criados de Cornélio, ali estavam Pedro e "seis irmãos" (cf. 11.12) que o acompanharam. E muito improvável que um grupo de dez homens tivesse ido a cavalo. Evidentemente, eles tinham ido a pé, como era o hábito naquela época. Assim, a viagem de 48 quilômetros lhes teria tomado pelo menos um dia e meio.
Quando chegaram ao seu destino, eles descobriram que Cornélio os esperava. A palavra em grego sugere que "ele continuava esperando ansiosamente por eles". Sem dúvi­da, ele imaginara que os seus criados passariam a noite em Jope, e assim estariam che­gando a Cesaréia logo depois do meio-dia do quarto dia.
Além disso, ele tinha convidado os seus parentes e amigos mais íntimos. O fato de que Cornélio tivesse parentes em Cesaréia implica que ele vivera ali por um longo perí­odo, o que também se conclui da afirmação de que ele tinha "bom testemunho de toda a nação dos judeus" (22). O adjetivo íntimos significa literalmente "necessário". Somente aqui (no NT) significa "familiar". A idéia parece ser a de que os amigos que são tão ínti­mos e queridos de alguém são necessários. Cornélio obviamente era um homem que tinha um grande coração.
Quando Pedro entrou, saiu Cornélio a recebê-lo e, prostrando-se a seus pés, o adorou (25). Lumby comenta: "Este ato de respeito do oficial romano demonstra forte­mente o seu sentimento de que Pedro era um mensageiro de Deus. Tais atos não eram usuais entre os soldados romanos". Embora fosse comum no oriente que os homens se prostrassem aos pés dos seus superiores, "a idéia da prostração era estranha à mente ocidental, e esse costume não foi introduzido na corte imperial até o reinado de Diocleciano". Alexander diz: "Tendo sido ordenado por um anjo a mandar buscar o após­tolo, com uma promessa de comunicação divina com ele, não é de surpreender que Cornélio tivesse imaginado que ele fosse mais do que um simples homem".
Mas Pedro o levantou, dizendo: Levanta-te, que eu também sou homem (26). Isto indica que Cornélio tentava dedicar-lhe adoração religiosa, ao que Pedro pro­testou. Da mesma maneira, um anjo recusou a adoração de João (Ap 19.10).
Enquanto conversavam, os dois homens entraram na casa. Pedro deve ter ficado surpreso ao ver os muitos que ali se haviam reunido para ouvi-lo (27). Ele os lem­brou do fato de que não era lícito para um judeu associar-se com estrangeiros (28). Com um fino toque de cortesia, Pedro usou uma palavra rara, que significa literalmente "outra tribo" (somente aqui no NT). Graciosamente, ele evitou o termo ofensivo ethnoi, que usualmente transmite a idéia de "pagão".
Pedro tinha sido obrigado a deixar de lado essa proibição judaica, pois, como disse, Deus mostrou-me que a nenhum homem chame comum ou imundo (cf. 15). Para nós, é impossível perceber a tremenda mudança que isto envolvia no pensamento de um judeu devoto daquela época. Toda a sua educação religiosa tinha ensinado que os israelitas eram o povo escolhido de Deus e que o restante da humanidade era impuro e excluído da aliança divina.
Devido à visão no terraço em Jope, Pedro tinha vindo até estes gentios sem contradizer (29). Esta é uma única palavra em grego (somente aqui no NT), e significa literal­mente "não se pronunciar contra", e assim "sem nem mesmo levantar qualquer objeção" (NASB). Pedro então perguntou por que razão tinham mandado chamá-lo.

3. Verificação (10.30-48)

A última parte deste capítulo conta a história da verificação das visões que tiveram Pedro em Jope e Cornélio em Cesaréia. Por meio do derramamento do Espírito na casa de Cornélio, Deus provou a quem pudesse interessar que os gentios, assim como os ju­deus, podiam ser os destinatários da sua graça.

a.  Apresentação por Cornélio (10.30-33). Pedro foi apresentado à audiência por Cornélio, que relatou a sua visão como uma causa para a reunião. Ele disse: Há quatro dias estava eu em jejum até esta hora, orando em minha casa à hora nona. E eis que diante de mim se apresentou um varão com vestes resplandecentes (30-31). A palavra jejum não consta do melhor texto grego. Provavelmente, a melhor tradução para a primeira parte seja: "Faz, hoje, quatro dias que, por volta desta hora, estava eu observando em minha casa a hora nona de oração..." Isto parece indicar que Pedro e os seus companheiros chegaram à casa de Cornélio por volta das três horas da tarde, do quarto dia depois da visão.
O relato de Cornélio de que um varão lhe apareceu não entra em conflito com a outra afirmação de que era "um anjo de Deus" (3). Era um anjo sob forma de homem, como também tinha acontecido no sepulcro vazio (Mt 28.5; Mc 16.5).
Os versículos 31 e 32 são um eco dos versículos 4 a 6; Cornélio continuou expressan­do a sua gratidão pela vinda de Pedro e assegurou-lhe: estavam todos esperando para ouvir tudo quanto por Deus te é mandado (33). Pedro tinha um público receptiva pronto e desejoso para caminhar na luz. Este é o segredo dos resultados que tiveram lugar nesta reunião histórica na casa de Cornélio.

b. A Pregação de Pedro (10.34-43). Tendo em vista a sua própria visão, assim como a que foi dada a Cornélio, Pedro foi forçado a concluir:Reconheço, por verdade, que Deus não faz acepção de pessoas; mas que lhe é agradável aquele que, em qual­quer nação, o teme e faz o que é justo (34-35). Cornélio era tão aceito perante Deus quanto qualquer descendente físico de Abraão.
Depois da sua apresentação, Pedro fez um breve resumo do ministério de Jesus (36-41). Foi quase um epítome(Resumo, abreviação) do Evangelho de Marcos, o que a Igreja Primitiva considerava conter na pregação de Pedro.
O apóstolo começou fazendo referência à Palavra (logos) que chegou à nação de Israel por meio da pregação de Jesus (36). Era uma mensagem de paz, mas foi rejeitada. Pedro aproveita para enfatizar a divindade de Jesus: este é o Senhor de todos.
Ele diz que os seus ouvintes conhecem esta palavra (rhema) (37). Uma vez que rhema às vezes é traduzida como "coisa" (5.32; Lc 2.15), a frase aqui pode ser traduzida como "aquilo que aconteceu". Cornélio e seus amigos, como a maioria do povo daquele país, sabiam do ministério de Jesus.
Aquele ministério cobriu toda a Judéia — toda a Palestina. Assim, a Judéia assume o sentido mais amplo, como o país dos judeus.Começando pela Galiléia... — literal­mente "tendo começado pela Galiléia", que assim está incluída na Judéia. O batismo que João pregou seria o batismo do arrependimento. É com o ministério de João Batista que começa o Evangelho de Marcos.
Foi no batismo de Jesus por João (cf. Lc 4.1,14) que Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com virtude; o qual andou fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo (38). Isto resume uma grande parte do Evangelho de Marcos.
Pedro afirma: Nós — ele e os seis companheiros de Jope  somos testemu­nhas de todas as coisas que fez, tanto na terra da Judéia [como o v. 37; algu­mas versões apresentam "dos judeus"] como em Jerusalém (39), na parte final do seu ministério. Foi ali que Ele foi pendurado num madeiro (crucificado). No terceiro dia Deus o ressuscitou e fez que se manifestasse (40) — tradução literal. Mas isto foi não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus antes ordenara; a nós que comemos e bebemos juntamente com ele, depois que ressuscitou dos mortos (41). Esta afirmação está perfeitamente de acordo com o que é encontrado nos Evangelhos.
O Cristo ressurrecto mandou que os discípulos fossem pregar ao povo (Mt 28.19) e testificar que Jesus Cristo é o que por Deus foi constituído juiz dos vivos e dos mortos (42).
A observação final da mensagem de Pedro foi expressamente evangelizadora: A este dão testemunho todos os profetas, de que todos os que nele crêem rece­berão o perdão dos pecados pelo seu nome (43). No texto grego, a frase todos os que nele crêem é colocada no final, como uma ênfase. Este Evangelho de perdão dos pecados por meio da fé em Jesus Cisto é para todos aqueles quecrerem, tanto judeus quanto gentios.

c. O Derramamento do Espírito (10.44-48). Enquanto Pedro ainda pregava, o Espíri­to Santo caiu sobre os que estavam ouvindo a Palavra (44). Dizendo estas palavras provavelmente deve ser traduzido como "estava falando estas coisas" (rhemata).
No Concilio em Jerusalém, Pedro comparou este "Pentecostes dos gentios" ao Pentecostes original do capítulo do livro de Atos. Ele disse: "E Deus, que conhece os corações, lhes deu testemunho, dando-lhes o Espírito Santo, assim como também a nós; e não fez diferença alguma entre eles e nós, purificando o seu coração pela fé" (15.8-9). Da mesma forma como Deus tinha purificado os corações dos 120 no cenáculo, quando eles foram cheios do Espírito (2.4), Ele também purificou os corações de Cornélio e seus amigos, quando o Espírito Santo caiu sobre eles. Teólogos da Santidade interpretam esta experiência como sendo a santificação completa.
Os judeus cristãos que tinham acompanhado Pedro a Cesaréia maravilharam-se — "ficaram fora de si com assombro" — de que o dom do Espírito Santo — genitivo de aposição, o dom que era o próprio Espírito Santo — se derramasse também sobre os gentios(45). Eles os ouviam falar em línguas (46), como tinham ouvido os 120 no Dia de Pentecostes.
Apesar dos seus preconceitos judaicos, Pedro sentiu que Deus tinha aceitado plenamente estes gentios no Reino. Então, ele propôs que o batismo cristão lhes fosse ministrado (47). Cornélio e seus amigos foram batizados em nome do Senhor (48), i.e., em nome de Jesus. Esta fórmula era aparentemente usada na Igreja Primitiva, assim como a forma da trindade (Mt 28.19). A ênfase principal aqui está no fato de que era um batismo cristão.

4. Justificativa (11.1-18)

O capítulo 10 apresenta a história da visita de Pedro à casa de Cornélio e o derramamento do Espírito de Deus sobre o grupo ali reunido. O capítulo 11 apresenta a justificati­va de Pedro para a sua entrada na casa de um gentio, e a sua associação com os "pagãos".

a. Pedro É Criticado (11.1-3). Os rumores do que havia acontecido em Cesaréia chegaram até os apóstolos e os irmãos que estavam na Judéia (1). Eles ouviram as espantosas notícias de que também os gentios tinham recebido a Palavra de Deus.
Quando Pedro regressou a Jerusalém, os que eram da circuncisão (2) — os judeus cristãos que enfatizavam a constante observação à Lei  disputavam com ele. A sua queixa era: Entraste em casa de varões incircuncisos e comeste com eles (3). Para os judeus conservadores, os homens incircuncisos eram impuros, e o contato com eles po­deria corromper uma pessoa. Mas a transgressão mais grave que Pedro havia cometido foi comer com eles. Isto era uma coisa que nenhum filho sério de Abraão poderia fazer.

b. A Explicação de Pedro (11.4-18). Se um homem sabe que tem razão, a sua melhor defesa é uma explicação direta do que fez, e do porquê. Este foi o método seguido por Pedro. Ele começou a fazer-lhes uma exposição por ordem (4). Ele contou toda a história aos seus críticos. O fato de que aquilo que tinha acontecido é repetido aqui mos­tra a grande importância ligada a este evento significativo. Iniciara-se uma nova época — a da evangelização dos gentios.
A narrativa dos versículos 5 a 10 é quase idêntica à de 10.9b-16, exceto pelo fato de que o relato de Pedro, aqui, narrado na primeira pessoa, é bem mais vivido. Por exemplo, ele diz sobre o vaso: descia do céu e vinha até junto de mim (5). Este é o tipo de toque adicional que poderíamos esperar que ele nos desse.
Pedro contou o fato de que havia três varões (11) de Cesaréia que vieram à casa onde estava (cf; 10.7,17), e como o Espírito lhe disse que fosse com eles, nada duvidan­do (12). Foi o Espírito Santo que lhe disse que fosse com aqueles homens até à casa de Cornélio, de modo que ele não teve escolha. Se o povo quisesse criticá-lo por ter ido, teria que discutir com o Espírito sobre o assunto.
Nada duvidando é a mesma coisa que "não duvidando" (10.20), mas o texto grego aqui apresenta a forma ativa do verbo; em 10.20, é a meia-passiva. A diferença foi bem explicada pela adoção de "sem hesitação" em 10.20 e "sem fazer diferença" aqui (RSV). Como uma razão para esta modificação, Lumby sugere: "A visão não tinha lhe dado nenhuma idéia de que haveria uma viagem; agora [10.20] Pedro é informado dela, e assim também, quando chega ao final da viagem, o 'não hesitar' significa 'não fazer dis­tinção entre os judeus e os outros homens'. Desse modo, a visão tornou-se compreensível, pouco a pouco, e a perplexidade foi removida".
Não somente o Espírito lhe ordenou que fosse, mas também seis irmãos foram com ele (12). Em 10.23, não sabemos quantos, mas somente que "alguns irmãos" acom­panharam Pedro. Pedro teria pensado que os judeus cristãos tradicionais de Jerusa­lém poderiam criticá-lo? Se isto aconteceu, ele teve muitas testemunhas para corrobo­rar a história que estava contando. Talvez os seis homens tenham acrescentado o seu entusiasmado testemunho a respeito do maravilhoso derramamento do Espírito na casa de Cornélio.
Pedro fez um adendo significativo ao relato de Cornélio a respeito da sua visão (cf. 10.32). Ele mencionou que o centurião havia dito que o anjo lhe ordenara que mandas­se buscar a Pedro, o qual te dirá palavras com que te salves, tu e toda a tua casa (14). AdamClarke interpreta isto como querendo dizer: "Ele anunciará a você toda a doutrina da salvação". O fato de que Pedro interpretou a sua missão como sendo a de dizer a Cornélio como ser salvo está evidente pelo seu discurso na casa do centurião (10.34-43). Ele apresentou os fundamentos elementares da experiência cristã pregan­do a crucificação, a ressurreição e o julgamento. As suas palavras finais foram: "A este dão testemunho todos os profetas, de que todos os que nele crêem receberão o perdão dos pecados pelo seu nome" (10.43). O que Pedro estava pregando era o perdão através da fé em Jesus Cristo. Obviamente, ele entendia que era disto que Cornélio e seus amigos precisavam.
Como podemos explicar, então, a afirmação: E, quando comecei a falar, caiu sobre eles o Espírito Santo, como também sobre nós ao princípio (15)? Isto é, as pessoas na casa de Cornélio tiveram a mesma experiência que os 120 discípulos no Dia de Pentecostes. Este pode ter sido o primeiro sermão de salvação que abriu os corações para o dom do Espírito Santo, mas certamente não foi o último. Talvez a explicação que está mais de acordo com as Escrituras seja: enquanto Pedro estava apenas começando o seu sermão (quando comecei a falar) os seus ouvintes creram, nos seus corações, em Jesus Cristo, e sentiram a conversão evangélica — como aconteceu com John Wesley quando estava em uma reunião em Aldersgate Street, na noite de 24 de maio de 1738. Então, como seus corações estavam completamente abertos para toda a vontade de Deus, aqueles ouvintes que tinham caminhado devotamente à luz do judaísmo (10.2) e agora aceitavam a Cristo foram subitamente cheios do Espírito Santo. Esta reconstrução do que aconteceu não ignora nem suprime quaisquer afirmações do relato bíblico.
Pedro prosseguiu contando aos seus críticos em Jerusalém: E lembrei-me do dito do Senhor, quando disse: João certamente batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo (16). Esta é uma citação de 1.5. Nos Evangelhos, é João Batista que é mencionado como tendo dito estas palavras, mas o livro de Atos indica que Jesus as repetiu.
Pedro concluiu a sua defesa fazendo uma pergunta que definitivamente silenciou os seus críticos. Ele disse: Portanto, se Deus lhes deu o mesmo dom que a nós, quando cremos no Senhor Jesus Cristo, quem era, então, eu, para que pudesse resistir a Deus?(17) Para isto, não havia uma resposta possível. Quando os judeus cristãos ouviram a conclusão de Pedro, apaziguaram-se e glorificaram a Deus, dizendo: Na verdade, até aos gentios deu Deus o arrependimento para a vida (18). Para eles, este era um fato surpreendente, que eles foram obrigados a aceitar. Algumas das implicações da salvação dos gentios seriam discutidas mais tarde, no Concilio de Jerusalém (cap. 15), mas uma vitória importante foi conseguida aqui.

Bibliografia R. Earle


A Igreja em Antioquia (11:19-26)

Esta seção fala de dois movimentos da Igreja Primitiva ao longo do mar Mediterrâ­neo. O primeiro foi rumo ao norte, a partir de Jerusalém para Antioquia, na Síria. O Evangelho foi pregado livremente naquela cidade distante. O segundo foi rumo ao sul, de Antioquia a Jerusalém. O primeiro levou as bênçãos espirituais da salvação àqueles que estavam no Norte. O segundo trouxe bênçãos materiais dos novos convertidos para os irmãos necessitados em Jerusalém. Como se faz menção de Chipre (uma ilha), é bem provável que eles tenham viajado por barco.

Rumo ao Norte (11.19-26). As palavras iniciais deste parágrafo — E os que fo­ram dispersos (19) — são exatamente as mesmas em grego, na frase inicial de 8.4. Outro ramo da diáspora cristã aqui é tomado e contado. Esta dispersão teve início com a perseguição que sucedeu por causa de Estêvão (cf. 8.1).
Os cristãos dispersos viajaram para o norte até a Fenícia (as cidades de Tiro e Sidom), o Líbano moderno, na costa norte da Palestina, Chipre  a maior ilha da extremidade leste do mar Mediterrâneo — e Antioquia. Esta cidade, fun­dada em 300 a.C, tinha se tornado a terceira maior cidade do Império Romano, supera­da apenas por Roma e Alexandria. Diz-se que as suas muralhas encerravam uma área maior do que as de Roma. A oito quilômetros da cidade, ficava o bosque de Dafne, um importante centro de adoração a Apolo e Ártemis [ou Artemisa]. Como um resultado par­cial disto, Antioquia era famosa pela sua imoralidade. Ainda assim, muitos judeus e prosélitos ali viviam. Eles foram evangelizados em primeiro lugar, pois foi dito que os primeiros missionários não estavam anunciando a ninguém a Palavra senão somente aos judeus. Isto provavelmente aconteceu antes da experiência de Pedro em Cesaréia.
Felizmente, havia alguns homens de Chipre e Cirene (Norte da África) que eram um pouco mais esclarecidos. Quando eles chegaram a Antioquia, pregaram o Senhor Jesus aos gregos (20). Embora os antigos manuscritos gregos façam uma diferença entreHellenas ("gregos") e Hellenistas (helênicos"), o contexto deixa claro que esta nova pregação se dirigia aos gentios. Os evangelizadores — anunciando é a palavra euangelizomenoi — estavam proclamando as Boas Novas sobre o Senhor Jesus, ou proclamando que Jesus é o Senhor.
Como estavam obedecendo às ordens de Cristo (Mt 28.19), eles viram o cumprimen­to da sua promessa (1.8) — a mão do Senhor era com eles (21), i.e., o seu poder se manifestava no seu ministério. O resultado foi que grande número creu e se converteu ao Senhor.Antioquia em pouco tempo tornou-se o principal centro do cristianismo.
A fama do que estava acontecendo em Antioquia chegou aos ouvidos da igreja que estava em Jerusalém (22). Preocupados quanto a esta evangelização dos gentios estar de acordo com a ordem divina, os líderes enviaram Barnabé até Antioquia. Isto pode implicar que ele verificaria o trabalho na Fenícia (19) no seu caminho para o Norte.
A igreja de Jerusalém não poderia ter escolhido alguém melhor do que Barnabé para esta missão. Ele era um verdadeiro "filho da consolação" (4.36), onde quer que fosse. Um cristão judeu legalista e preconceituoso certamente teria impedido o maravi­lhoso movimento do Espírito de Deus em Antioquia. Mas Barnabé o encorajou: o qual, quando chegou e viu a graça de Deus, se alegrou e exortou a todos a que, com firmeza de coração, permanecessem no Senhor (23). O generoso Barnabé estava tão integralmente consagrado ao seu Senhor que se alegrava por ver qualquer pessoa — até mesmo um gentio — aceitando a Cristo. Ao invés de criticar o novo movimento, ele lhe deu a sua aprovação e a sua bênção. Ele se alegrou por ver a graça de Deus em operação nesta cidade tão necessitada. O próprio Barnabé era um judeu natural de Chipre (4.36), o que fazia com que ele se harmonizasse perfeitamente com os evangelizadores de Chipre e Cirene. Ele exortou os novos convertidos, cumprindo assim o significado do seu nome: "filho da exortação".
A descrição de Barnabé é quase tão nobre quanto poderia ser a de qualquer homem: Porque era homem de bem e cheio do Espírito Santo e de fé (24). As três coisas aqui afirmadas a respeito de Barnabé formaram os pontos principais de muitos sermões fúnebres. O pastor consagrado sempre fica feliz quando pode dizer essas coisas sobre um membro falecido de sua igreja. O resultado do caráter e do ministério deste bom homem de Deus cheio do Espírito Santo e inspirado pela fé foi que muita gente se uniu ao Se­nhor. Mas Barnabé precisava de ajuda. A tarefa em Antioquia era excessivamente gran­de para ele. Esta metrópole cosmopolita de língua grega exigia os serviços tanto de um gigante intelectual quanto de um exortador cheio do Espírito. Assim, Barnabé foi até Tarso, cerca de 200 quilômetros a noroeste de Antioquia para buscar Saulo (25). Feliz é o homem que percebe as suas limitações, e que está disposto a trazer um ajudante à altura da situação. O desprendido Barnabé desejava somente o que era melhor para o Reino. Assim, ele foi buscar Saulo, o brilhante e altamente educado jovem rabino judeu que havia se convertido alguns anos antes. Saulo teve um bom início no seu ministério, e depois tinha sido enviado para casa pela igreja de Jerusalém (9.30), quando passou a correr um risco de vida.
Achando-o, o conduziu para Antioquia (25). As palavras "buscar" e achando sugerem que Barnabé teve de procurar por algum tempo antes de encontrar Saulo. É provável que Saulo estivesse ocupado evangelizando a sua província da Síria e Cilícia, como ele mesmo indica (Gl 1.21). Durante todo um ano, Barnabé e Saulo se reuniram naquela igreja e ensinaram muita gente. Deve ter sido um ano de ministério muito frutífe­ro para ambos — o generoso Barnabé exortando e encorajando o povo, e o perspicaz Saulo expondo as Escrituras e exaltando a Cristo. Eles formavam uma equipe maravilhosa.
Uma afirmação muito interessante aparece no final deste versículo: Em Antioquia, foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos. Até agora, eles tinham sido designados como "fiéis", "irmãos", "santos", "do Caminho", e, como aqui, "discípu­los". Mas como os judeus usavam normalmente as designações "irmãos" e "discípulos", era necessário atribuir um nome mais peculiar que inquestionavelmente indicasse os discípulos de Cristo.
A palavra "cristão" aparece somente duas outras vezes no Novo Testamento. Agripa disse a Paulo: "Por pouco me queres persuadir a que me faça cristão" (26.28). E Pedro escreveu: "se padece como cristão [sendo perseguido pelo mundo por ter esse nome], não se envergonhe" (1 Pe 4.16). A história da atribuição do nome, tomada em conjunto com este fato, sugere que cristãos não foi uma designação escolhida por eles mesmos, mas que lhes foi atribuída por aqueles que estavam fora da igreja. Além disso, é muito improvável que os judeus chamassem os crentes por este nome. Gloag observa: "Não se deve supor que eles dariam esse nome sagrado Christosàqueles que eles consideravam hereges e apóstatas". Os judeus os chamavam de "nazarenos" (24.5), uma expressão de desprezo.
Parece claro que a designação cristãos foi dada aos discípulos pelos gentios de Antioquia, como Meyer afirma. Sempre se supôs que este termo era usado como uma zombaria. Mas Meyer insiste: "Não há nada que apóie a opinião de que a palavra foi, a princípio, um título ridículo". Ao contrário, como os gregos e os romanos normalmente designavam partidos políticos pelos nomes dos fundadores, assim também eles se referiam a este grupo como cristãos. Lake e Cadbury observam acertadamente que a palavra "implica que Christos tinha sido adotado pela população gentia como um nome próprio — um hábito ao qual os cristãos surpreendentemente logo se submeteram, como é de­monstrado pelo uso da palavra por Paulo". Originalmente, "Cristo" — lit., "o Cristo" — significava "o Messias". Foi um título adicionado ao nome Jesus, "Jesus, o Cristo", quan­do pregava aos judeus. Mas os gentios naturalmente o adotaram como um nome próprio.
O fato de que o povo de Antioquia julgou necessário dar um nome ao novo movimento na cidade mostra como este movimento tinha crescido. Ele precisava ser reconhecido e designado. Gloag escreve: "Enquanto o cristianismo estava confinado aos judeus e aos prosélitos, os cristãos não eram distinguidos deles, e eram considerados pelos gentios como uma seita judaica; mas agora o fato de que inúmeros gentios eram recebidos sem circuncisão dentro da igreja era uma prova de que o cristianismo era diferente do judaísmo, e assim os discípulos não mais seriam encarados como os saduceus, fariseus, essênios e outras seitas judaicas".
A história da evangelização de Antioquia ilustra "Quando o Evangelho tem sucesso":
1. Quando é pregado a gente nova (19);
2. Quando é pregado a todas as classes e raças (20-21);
3. Quando é pregado por homens cheios do Espírito (22-26).

            Bibliografia R. Earle




ANTIOQUIA (sobre o Orontes, Síria)

Essa cidade, localizada às margens do rio Orontes, foi o berço das missões cristãs. Era conhecida como Antioquia da Síria, a fim de ser distinguida de Antioquia da Pisídia. Antioquia da Síria foi fundada em cerca de 300 A.C. e cresceu a ponto de contar com numerosa população nos tempos de Paulo, incluindo muitos judeus, os quais, desde tempos remotos haviam obtido o direito de cidadania. Durante o período das guerras dos Macabeus, muitas famílias judaicas se estabeleceram em Antioquia. Na época de Paulo, era a terceira maior cidade do império romano, perdendo em importância numérica apenas para Roma e Alexandria. Os romanos fizeram-na capital da província romana da Síria.
Paulo começou e terminou ali a sua segunda viagem missionária. Não sabemos exatamente quão grande era a cidade nos dias de Paulo, mas, à base da informação dada por Crisóstomo, deve ter contado com uma população de cerca de oitocentos mil habitantes, em 300 D.C. A atual Antikiyeh assinala o local da cidade antiga, mas é comparativamente pequena, cobrindo apenas pequena parte da área original. As escavações arqueológicas têm descoberto numerosas ruínas do passado, algumas das quais anteriores à era cristã. O circo, um dos maiores dos tempos romanos, a acrópole, numerosos banhos, vilas e cemitérios romanos, têm sido descobertos. Belos pisos de mosaico, que datam do período apostólico até o século VI D.C, também têm sido descobertos. O Caronion (busto de Caron, deus grego mitológico, que transportava as almas para o outro lado do rio Estige), de cerca de 170 A.C., com cinco metros e pouco de altura, entalhado em uma penedia(Reunião de penedos; penedal. Rocha, rochedo) de pedra calcária, a nordeste da cidade, continua visível, embora bastante estragada pelas intempéries. Nos dias de Paulo certamente ainda era um marco notável. Mais de uma vintena(Grupo de vinte) de edifícios cristãos tem sido ali descoberta, embora nenhuma dessas constru­ções date dos dias apostólicos. O famoso Cálice de Antioquia foi descoberto ali por alguns trabalhadores que cavavam um poço, em 1910. No início foi declarado pertencente à última parte do século I D.C., e alguns chegaram a imaginar que fosse o cálice original em que Cristo serviu a Ceia. Há nele gravadas efígies que representam Cristo e os apóstolos. A maioria das autoridades concorda que se trata de um produto da primitiva arte cristã, datando entre os séculos II e VI de nossa era.
Antioquia sobre o Orontes era sede do legado imperial da província romana da Síria e Cilícia, e aparecia como a capital do Oriente, Josefo, o historiador judeu do tempo dos apóstolos, diz-nos que era a terceira maior cidade do império romano, perdendo em importância somente para Roma e Alexandria. A grande maioria da população era síria, embora houvesse numerosa colônia judaica. Sua cultura era tipicamente greco-helenista. Seu porto era Selêucia (Atos 13:4), a qual era reputada cidade comercial e centro marítimo. Não muito distante dali ficava Dafné, quartel-general do culto de Apolo e Artêmisa, culto esse que se tornou famoso por sua degradação. Isso era tanto verdade que Juvenal, ao queixar-se da degradação moral que invadia Roma, disse que «...o Orontes sírio desaguou no Tibre» (Sátiras III. 62). O centro da igreja cristã passou de Jerusalém, seu berço original, para Antioquia da Síria, seu centro gentílico, pois a igreja cristã, cada vez mais, se foi tornando uma instituição gentílica. A tradição associa o apóstolo Pedro a essa cidade, considerando-o primeiro de seus bispos. Nomes ilustres posteriores, associados a essa cidade, foram Inácio e João Crisóstomo, ambos chamados bispos de Antioquia. Crisóstomo foi grande escritor de comen­tários bíblicos e exerceu notável influência sobre o desenvolvimento doutrinário da igreja cristã.
A cidade de Antioquia foi fundada por Seleuco Nicator, um dos generais de Alexandre, em 300 A.C., que lhe deu nome em honra a seu pai, Antíoco. Antíoco havia devastado e poluído a cidade de Jerusalém, mas os seus sucessores, de conformidade com o que dizJosefo (Guerras dos Judeus, 1:7, cap. 3 seção 3), foram mais liberais, tendo criado uma boa atmosfera para o desenvolvimento do judaísmo naquele lugar; e isso teria atraído a muitos judeus, até que, finalmente, Antioquia se tornou grande centro de erudição judaica, bem como cidade onde havia numerosa colônia judaica. Com base nessa circunstância, o caminho ficou preparado para a entrada e o crescimento do cristianismo em Antioquia.

Bibliografia E. B. T. F

A Igreja em Antioquia 11:19-30

Atividades de Paulo e Barnabé

Esta seção parece dar prosseguimento ao trecho de Atos 8:4, porquanto temos aqui a reiteração da declaração que a igreja foi dispersa, em face das perseguições que começavam a ficar mais severas. O autor sagrado, mui provavelmente, se alicerçou em alguma fonte informativa da igreja cristã de Antioquia e ele teria interrompido para falar-nos sobre a conversão de Saulo de Tarso (baseado em uma fonte informativa paulina), bem como sobre as atividades de Simão Pedro, que deram inicio, oficialmente, à igreja cristã gentílica, narrativas essas quase certamente fundamentadas em uma fonte informativa derivada de Jerusalém-Cesaréia. (Ver At 8:5 - 11:18).

O livro de Atos, a partir deste ponto, começa a expandir a narrativa sobre as várias atividades que constituíram a missão da igreja cristã entre os gentios, através das quais o cristianismo se tornou instituição verdadeiramente universal, para jamais retornar ao provincialismo do judaísmo. Da mesma forma que as atividades do apóstolo Pedro foram aprovadas pela igreja-mãe, em Jerusalém, embora houvesse ainda alguma oposição, assim também, na presente seção, a missão da igreja de Antioquia, entre os gentios, foi abençoada por Barnabé. Presumivelmente, pois, também foi afirmada pela igreja de Jerusalém, visto que Barnabé era representante da mesma. O autor sagrado, por conseguinte, esforça-se aqui por mostrar-nos que a igreja cristã dera um passo avante em unidade, e não de modo faccioso, dividido.

A história de Cornélio e seus familiares, bem como dos primórdios da igreja cristã em Cesaréia, foi apresentada de maneira dramática; mas, neste ponto, os inícios igualmente importantes do cristianismo, em Antioquia, são expostos como fatos consumados.

Paulo já estava agindo, levantando congregações cristãs na Síria e na Cilícia (ver Gl 1:21), tendo sido o verdadeiro originador da missão cristã entre os gentios, embora o livro de Atos não nos dê essa impressão, posto que a história de Cornélio e Pedro representa o início oficial da missão evangelizadora entre os povos gentílicos, provavelmente porque foi através desse incidente que a igreja-mãe, em Jerusalém, deu sanção oficial à mesma. Ou talvez tenha ocorrido simplesmente que Lucas não estava informado sobre os muitos anos de labor de Paulo, na Síria e na Cilícia, antes desse incidente em Cesaréia.

O inicio da igreja cristã de Antioquia não se deveu aos esforços de Paulo, mas antes, de algum irmão cujo nome não é dado, que fora forçado a fugir de Jerusalém, o qual, tendo chegado à região de Antioquia mui naturalmente continuou falando a respeito do Senhor Jesus, não tendo seguido a norma de falar exclusivamente aos judeus (ver o vs. 19). O vigésimo versículo não deixa perfeitamente claro se esses discípulos, cujo nome não nos é dado, eram judeus helenistas, de Jerusalém, que haviam sido forçados a fugir por causa das perseguições, ou eram nativos de Chipre e Cirene, provavelmente judeus helenistas que haviam estabelecido ali residência permanente. Esta última possibilidade parece mais provável.

A passagem de Atos 13:1 parece indicar, de forma bem definida, que se tratava de judeus cristãos, residentes permanentes em áreas ocupadas por gentios, aqueles que foram os responsáveis pela evangelização de Antioquia e redondezas. Por conseguinte, o apóstolo Paulo não foi o único fundador do cristianismo gentílico; a despeito do que, o grande espaço que Lucas dedica a ele, nessa história, demonstra, acima de qualquer dúvida, que Paulo era considerado a força mais poderosa do evangelismo entre os gentios. Não se há de duvidar que importante parte das atividades do apóstolo Paulo, em alguns territórios, se alicerçava em igrejas cristãs já fundadas, não sendo um trabalho inteiramente pioneiro.

11:19  Aqueles, pois, que foram dispersos pela tributação suscitado por causa de Estêvão, passaram até a Fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a ninguém a palavra, senão somente aos judeus,

Neste ponto tem continuação a narrativa interrompida no trecho de Atos 8:4, a fim de que fossem feitas as inserções do material concernente à conversão de Saulo de Tarso e do material concernente ao início oficial da missão cristã entre os gentios, por parte de Simão Pedro. (Ver a lição 10).

Fenícia. O território que ficava nas costas orientais do mar Mediterrâneo, e cobria cerca de duzentos e quarenta quilômetros entre os rios Litani e Arvade (modernamente Líbano Latáquia do Sul). Esse lugar é mencionado exclusivamente no N.T. como lugar de refúgio para os cristãos perseguidos, os quais fugiram de Jerusalém por causa da perseguição que rebentou logo após o assassínio de Estêvão (ver At 11:19). Foi também o território através do qual passaram Paulo e Silas, em sua jornada de Samaria a Antioquia. (Ver At 15:3). Posteriormente, o apóstolo Paulo aportou na costa da Fenícia, perto de Tiro, em sua viagem a Jerusalém. (Ver At 21:2,3). Nos tempos do Senhor Jesus, a Fenícia era reputada como a região costeira em redor de Tiro e Sidom. (Ver Mt 15:21 e Lc 6:17). E os habitantes da região, que incluíam gregos, eram considerados «sírios-fenícios» (ver Mc 7:26).

Nos tempos do A.T., esse território era denominado, pelos hebreus, «Canaã» (ver Is 23:11). A palavra «cananeu» significa comerciante, e mui provavelmente esse foi o nome que os habitantes do lugar aplicaram a si mesmos. (Ver Gn 10:15). A origem dessas populações tão dadas às coisas do mar é extremamente obscura; mas sabemos, com base nos escritos de Heródoto (1.1. 11.89), que eles ali chegaram provenientes da área do golfo persa, através do mar Vermelho e primeiramente erigiram a cidade de Sidom. As principais cidades desse território eram TrípolisBiblisSidom, Tiro e Berito. A área é fértil, a começar pelas terras altas no sopé do monte Líbano e descendo lentamente para o mar. Ocupava um lugar muito cobiçado para o comércio, desde os tempos mais remotos que se conhecem. Diz Plínio (L. 5, cap. 12) que a Fenícia se tornara famosa pela invenção das letras, das constelações e das artes navais e da guerra.

O território era conhecido por sua religião idolatra, o que foi condenado por Elias (ver I Rs 18-19) e por Isaías (ver Is 65:11). A arqueologia, quando do descobrimento dos textos de Ras Shamrademonstrou que ali imperava o politeísmo, bem como uma mitologia natural centralizada ao redor de Baal, que também era conhecido pelo nome de Moloque (que significa «rei»), do deus-sol Sapis e deQuesepe, uma divindade pertencente ao submundo. Cultos surgidos posteriormente misturaram diversas ideias pertencentes a outras culturas, mas, de maneira geral, a área era estritamente pagã. Foi em um lugar assim, pois, que agora chegava o cristianismo.

Chipre. Trata-se da terceira maior ilha do mar Mediterrâneo, com 238 quilômetros de comprimento e 24 a 64 quilômetros de largura.Ali nasceu Barnabé. A história registrada menciona Chipre desde 1500 A.C. Diversos povos, entre os quais os egípcios, os fenícios, os gregos e os romanos, nela habitaram em estágios vários de sua história. Os missionários cristãos nela penetraram, pela primeira vez, através de uma de suas mais excelentes cidades portuárias, Salamina. Ainda existe um grande aqueduto nesse local, o qual era suficiente para suprir de água uma cidade com cerca de cem mil habitantes. Ali medrava grande população judaica, nos dias de Paulo, o que fica demonstrado pelo fato de haver bom número de sinagogas na cidade. O cristianismo lançou ali raízes firmes. Acredita-se que Barnabé foi martirizado na ilha de Chipre, em Salamina. Quando do concilio de Nicéia (325 D.C.), três bispos vieram de Chipre como representantes das igrejas dali, o que nos mostra até que ponto o cristianismo já se desenvolvera na ilha. Chipre parece nunca ter sido densamente povoada, pois Plínio alistou apenas quinze centros populacio­nais.

Antioquia. Essa cidade, localizada às margens do rio Orontes, foi o berço das missões cristãs. Era conhecida como Antioquia da Síria, a fim de ser distinguida de Antioquia da Pisídia. (Ver At 13:14). Antioquia da Síria foi fundada em cerca de 300 a.C. e cresceu a ponto de contar com numerosa população nos tempos de Paulo, incluindo muitos judeus, os quais, desde tempos remotos haviam obtido o direito de cidadania. Durante o período das guerras dos Macabeus, muitas famílias judaicas se estabeleceram em Antioquia. Na época de Paulo, era a terceira maior cidade do império romano, perdendo em importância numérica apenas para Roma e Alexandria. Os romanos fizeram-na capital da província romana da Síria.

Paulo começou e terminou ali a sua segunda viagem missionária. Não sabemos exatamente quão grande era a cidade nos dias de Paulo, mas, à base da informação dada por Crisóstomo, deve ter contado com uma população de cerca de oitocentos mil habitantes, em 300d.C. A atual Antikiyeh assinala o local da cidade antiga, mas é comparativamente pequena, cobrindo apenas pequena parte da área original. As escavações arqueológicas têm descoberto numerosas ruínas do passado, algumas das quais anteriores à era cristã. O circo, um dos maiores dos tempos romanos, a acrópole, numerosos banhos, vilas e cemitérios romanos, têm sido descobertos. Belos pisos de mosaico, que datam do período apostólico até o século VI D.C., também têm sido descobertos. O Caronion (busto de Caron, deus grego mitológico, que transportava as almas para o outro lado do rio Estige), de cerca de 170 A.C, com cinco metros e pouco de altura, entalhado em uma penedia de pedra calcária, a nordeste da cidade, continua visível, embora bastante estragada pelas intempéries. Nos dias de Paulo certamente ainda era um marco notável. Mais de uma vintena de edifícios cristãos tem sido ali descoberta, embora nenhuma dessas construções date dos dias apostólicos. O famoso Cálice de Antioquia foi descoberto ali por alguns trabalhadores que cavavam um poço, em 1910. No início foi declarado pertencente à última parte do século I D.C, e alguns chegaram a imaginar que fosse o cálice original em que Cristo serviu a Ceia. Há nele gravadas efígies que representam Cristo e os apóstolos. A maioria das autoridades concorda que se trata de um produto da primitiva arte cristã, datando entre os séculos II e VI de nossa era.

Antioquia sobre o Orontes era sede do legado imperial da província romana da Síria e Cilícia, e aparecia como a capital do oriente. Josefo, o historiador judeu do tempo dos apóstolos, diz-nos que era a terceira maior cidade do império romano, perdendo em importância somente para Roma e Alexandria. A grande maioria da população era síria, embora houvesse numerosa colônia judaica. Sua cultura era tipicamente greco-helenista. Seu porto era Selêucia (At l3:4), a qual era reputada cidade comercial e centro marítimo. Não muito distante dali ficava Dafné, quartel-general do culto de Apolo e Artêmisa, culto esse que se tornou famoso por sua degradação. Isso era tanto verdade que Juvenal, ao queixar-se da degradação moral que invadia Roma, disse que «...Orontes sírio desaguou no Tibre» (Sátiras III. 62). O centro da igreja cristã passou de Jerusalém, seu berço original, para Antioquia da Síria, seu centro gentílico, pois a igreja cristã, cada vez mais, se foi tornando uma instituição gentílica. A tradição associa o apóstolo Pedro a essa cidade, considerando-o primeiro de seus bispos. Nomes ilustres posteriores, associados a essa cidade, foram Inácio João Crisóstomo,ambos chamados bispos de Antioquia. Crisóstomo foi grande escritor de comentários bíblicos e exerceu notável influência sobre o desenvolvimento doutrinário da igreja cristã.

A cidade de Antioquia foi fundada por Seleuco Nicatorum dos generais de Alexandre, em 300 A.C, que lhe deu nome em honra a seu pai, AntíocoAntíoco havia devastado e poluído a cidade de Jerusalém, mas os seus sucessores, de conformidade com o que diz Josefo («Guerras dos Judeus» 1.7, cap. 3, seção 3), foram mais liberais, tendo criado uma boa atmosfera para o desenvolvimento do judaísmo naquele lugar; e isso teria atraído a muitos judeus, até que, finalmente, Antioquia se tornou grande centro da erudição judaica, bem como cidade onde havia numerosa colônia judaica. (Ver Talmude HierosKiddishin, foi. 64.4). Com base nessa circunstância, o caminho ficou preparado para a entrada e o crescimento do cristianismo em Antioquia.

«...não anunciando a ninguém a palavra, senão somente aos judeus...» «...tão pouco compreendida foi a comissão de Cristo, para que se pregasse o evangelho a todas as nações, embora ela fosse tão clara; ou então assim foi ordenado pela providência divina, que embora devesse primeiramente ser pregado o evangelho a eles, isso perdurasse por pouco tempo apenas...» (John Gill, in loc). Tal tipo de atividade era apenas de esperar-se da parte de quem abandonara Jerusalém, porquanto o incidente de Cesaréia, que envolveu o apóstolo Pedro e a família de Cornélio, que assinalou o início da missão cristã entre os gentios, ainda não se tornara suficientemente conhecido ao redor.

11:20  Havia, porém, entre eles alguns cíprios e cirenenses, os quais, entrando em Antioquia, falaram também aos gregos, anunciando o Senhor Jesus.

«...Cirene...» Trata-se de um porto no norte da África, fundado pelos dórios, rico em várias mercadorias, como trigo, lã e tâmaras. Tornou-se parte integrante do império ptolemaico no século III A.C. Em cerca de 96 A.C. foi doado a Roma, tendo-se tornado província romana em 74 A.C. Josefo, tomando por empréstimo uma informação de Estrabão, diz-nos que a colônia judaica era ali encorajada e que a população judaica foi crescendo até constituir um dos quatro principais grupos étnicos da cidade. (Ver Antiq. xiv. 7.2). Simão, que levou a cruz do Senhor Jesus, era nativo desse lugar, segundo lemos em Mc 15:21 e seus paralelos, nos demais evangelhos. Houvesse representantes dessa cidade na multidão no dia de Pentecoste (ver At 2:10), e, evidentemente, em Jerusalém, antigos habitantes deCirene tinham a sua própria sinagoga (ver At 6:9).

«...falavam também aos gregos...» Talvez não tenham sabido acerca da obra de Paulo na Síria e na Cilícia e nem acerca das atividades de Pedro em Cesaréia, mas sentiam o mesmo impulso evangelístico, que os proibia falar exclusivamente aos judeus. O entendimento que possuíam sobre o caráter universal da mensagem de Cristo, sobre o fato de que não havia mais distinções entre judeus e gentios, e sobre a verdade de que as leis cerimoniais haviam sido abolidas na igreja cristã, talvez ainda fosse muito fraco; mas o amor de Cristo os compelia a não limitarem a sua mensagem. Pode-se observar o trecho de At 13:1, onde Lúcio de Cirene é mencionado juntamente com Barnabé, que era de Chipre, como um dos líderes da igreja cristã de Antioquia. Lúcio, pois, mui provavelmente, foi um dos homens que assim pregou, conforme está registrado aqui. Barnabé, conhecendo pessoalmente o lugar, foi posteriormente comissionado para investigar os acontecimentos dali e confirmar os resultados. (Ver os vss. 22 e ss.).

11:21  E a mão do Senhor era com eles, e grande número creu e se converteu ao Senhor.

Pregavam ao Senhor Jesus, ou talvez «Jesus como Senhor» (ver o vs. 20), conforme a frase pode ser interpretada; pois o evangelho, que pregavam, na realidade anuncia a todos os homens o senhorio de Cristo, sendo ele o alvo de toda a existência, o ponto central em torno do qual gira o plano do evangelho (ver Ef 1:10), e a imagem em que os remidos estão sendo transformados, sempre crescendo na obediência a ele, ou seja, participando de sua natureza moral, que os transforma em seres que compartilham de sua própria essência.

Por causa dessa mensagem, «...mão do Senhor estava com eles...», o que quer dizer que o poder e a presença de Deus se manifestavam entre eles. Ora, isso é «teísmo», em contraste com o «deísmo». O teísmo ensina que Deus não somente criou todas as coisas, mas igualmente se faz presente em sua criação, recompensando e punindo aos homens, tendo ou não comunhão com eles. O deísmo, por sua vez, ensina que apesar de talvez existir uma força superior, esse poder, que pode ser pessoal ou não, abandonou de vez a sua criação, e nada acontece, de positivo ou de negativo, por motivo da ação de sua vontade. Esse «deus» deísta nem pune e nem galardoa aos homens.

A expressão «...mão do Senhor...» é uma expressão hebraica comum para dar a ideia da assistência de Deus aos homens, fortalecendo-os em sua vida. (Ver Êx 9:3 e Is 59:1). Podem-se ver outros usos dessa expressão nos trechos de Lc 1:66; At 4:28,30 e 13:11. Deve-se observar que a palavra «...Senhor...» torna-se aqui, uma alusão ao Senhor, pois ele é quem é o «Senhor» dos crentes, para quem todos eles se voltam. Voltar-se para Deus ou para o Senhor, pois, significa expressar arrependimento e propósito de vida, centralizados na mensagem do evangelho, o que, naturalmente, conduz os homens a Deus. Essa expressão também é empregada em outros trechos bíblicos. (Ver At 14:15; 15:3,19; 26:18,20 e I Ts 1:9).

«Sem essa influência acompanhadora, nem mesmo um apóstolo poderia fazer grande bem; e poderiam homens inferiores esperar serem capazes de convencer e de converter os pecadores, sem a mesma?» (Adam Clarke, in loc.),

«A 'mão', conforme se sabe bem, significa poder e força. Portanto, o que Lucas queria dizer é que Deus testificava com a sua ajuda presente, sobre o fato de que os gentios estavam sendo chamados juntamente com os judeus, através de sua orientação, para que se tornassem participantes da graça de Cristo». (Calvino, in loc).

«Através de manifestações visíveis que não podiam ser postas em dúvida, o Senhor mostrou que era com sua aprovação que deveriam prosseguir nessa predica...aos gentios». (Alfordin loc).

11:22  Chegou a noticia destas coisas aos ouvidos da igreja em Jerusalém; e enviaram Barnabé a Antioquia;

A igreja-mãe, em Jerusalém, atuava como uma espécie de diretora do movimento cristão inteiro, até esse ponto da narrativa, embora assim não tenha continuado a ser, após a destruição de Jerusalém, em 70 D.C., quando parece que Antioquia da Síria e Éfeso se tornaram os novos centros eclesiásticos principais, apesar de não terem jamais exercido aquela autoridade moral que evidentemente residira em Jerusalém. Lembremo-nos que os apóstolos habitavam em Jerusalém, tendo sido comissionados a coordenar a expansão do ministério cristão. Os apóstolos, pois, sentiam-se responsáveis por todo o avanço e o desenvolvimento da igreja, e ansiavam para que isso fosse feito conforme era mister, de maneira aprovada pelo Senhor.

O problema legalista havia causado consternação na igreja-mãe; e essa quiçá tenha sido uma das razões pelas quais os apóstolos viram ser necessário enviar Barnabé a Antioquia, a fim de que inspecionasse o trabalho que ali vinha sendo feito. Essa inspeção e o relatório subsequente seriam então considerados pelos oficiais da igreja de Jerusalém, e o selo resultante de aprovação da obra então a «oficializaria». Lembremo-nos que Pedro esteve em Samaria (oitavo capítulo do livro de Atos) a fim de realizar missão semelhante. Parece que todas as variegadas expressões da igreja cristã estavam sujeitas a uma aprovação apostólica direta ou indireta. Essa foi anatureza da missão de Barnabé, que lhe foi dada pelos apóstolos. Barnabé não figurava entre os doze apóstolos, mas, quanto à atividade e ao poder, parece ter excedido a maioria deles; e, a despeito da falta de designação oficial de um deles, parece ter funcionado na igreja primitiva como apóstolo. Foi a ele, pois, que se confiou essa missão. E foi uma escolha apropriada, de qualquer maneira, posto ter sido um judeu helenista, que compreendia o tipo de ministério levado a efeito fora de Jerusalém e em territórios gentílicos, melhor do que um apóstolo típico. O poder da influência de Barnabé, e a importância da obra em Antioquia, embora apresentados de forma um tanto casual aqui, eram evidentes pelo fato de que, através de sua liderança e labores em Antioquia é que resultará a transferência do centro da igreja de Jerusalém para Antioquia.

Barnabé parece ter exercido considerável influência sobre Paulo, e desde o princípio tiveram várias associações, tendo viajado juntos em jornadas missionárias. Paulo não demorou, entretanto, a ultrapassar a Barnabé em poder e autoridade, pois ele era, verdadeiramente, o apóstolo dos gentios. No entanto, Barnabé participou da formação de Paulo, pois é com frequência que um personagem de menor envergadura se mostra importantíssimo na formação de um homem verdadeiramente grande. Barnabé, tal como Pedro e a maioria dos oficiais da igreja de Jerusalém, tinha seus preconceitos judaicos pois era um «levita» (At 4:36), estando, presumivelmente, intimamente associado à corrente principal do pensamen­to judaico; mas foi capaz, a exemplo de Paulo e Pedro, de desligar-se desses preconceitos, tendo-se feito poderoso ministro do evangelho entre os gentios. Contudo, à semelhança de Pedro, em ocasião posterior, fez algumas concessões desnecessárias às pressões dos judaizantes, e, temporariamente pelo menos, negou o seu conhecimento recém-adquirido sobre como Deus não faz acepção de pessoas. Por causa desse retrocesso, tanto Barnabé como Pedro foram severamente criticados por Paulo. (Ver Gl 2:13).

A igreja-mãe de Jerusalém agia como coordenadora e inspetora da obra inteira do cristianismo. Alguns intérpretes têm considerado a questão da necessidade de inspeção por parte dos apóstolos, direta ou indireta, sobre a obra entre os gentios, pensando que isso teria sido um tema «artificial» de Lucas, isto é, contradito por tudo quanto se sabe acerca da autoridade apostólica, acerca de como se expandiu a igreja, antes da destruição de Jerusalém. O poder da igreja-mãe, entretanto, era perfeitamente real, embora a autoridade dos apóstolos em nada se assemelhasse à autoridade dos «bispos», como se vê hoje em dia. Pois os apóstolos agiam muito mais como uma força orientadora, aconselhadora. O trecho de Gl 2:11-13 e os decretos apostólicos, do décimo quinto capítulo do livro de Atos, deixam claro que a igreja de Jerusalém realmente reivindicava possuir autoridade sobre as igrejas de outras regiões, incluindo a Síria e a Cilícia.

«Realmente não há nenhuma dificuldade em supormos que Barnabé, que já era figura proeminente da igreja de Jerusalém, tenha sido enviado para investigar as atividades de seus compatriotas cipriotas». (G.H.C. Macgregorin loc).

A seleção de Barnabé, para levar a efeito essa obra, mostra-nos bem claramente que a igreja de Jerusalém não queria usar de severidade, mas antes, de gentileza e de cautela, para com os labores cristãos entre os gentios.

11:23  o qual, quando chegou e viu a graça de Deus, se alegrou, e exortava a todos a perseverarem no Senhor com firmeza de coração;

«A astuciosa voluntariedade de Satanás é bem conhecida. Por isso, assim que ele percebe alguma porta aberta para o evangelho, esforça-se, por todos os meios, por corromper ali o que é sincero... Barnabé foi enviado a fim de fazer os crentes avançarem nos princípios da fé, para colocar em ordem certas coisas, para dar alguma forma ao edifício que fora iniciado, a fim de que houvesse um estado ordeiro na igreja».

«...Barnabé nada queria se não a glória de Cristo. Pois, ao dizer que viu a graça de Deus e que os exortou a avançarem, depreendemos que haviam sido bem ensinados 'aqueles crentes'. O regozijo foi um testemunho de sincera piedade. A ambição sempre se mostrará invejosa e maliciosa; e é por isso que muitos buscam ser louvados ao reprovarem a outros, posto que almejam mais a própria glória do que a glória de Cristo. Porém, os servos fiéis de Cristo devem regozijar-se (a exemplo de Barnabé) ao virem o progresso do evangelho, sem importar através de quem Deus queira que o seu nome se torne conhecido». (Calvino, in loc).

Importância do ensino cristão. Uma das importantes lições que nos dá este versículo é que, inerente ao tipo de ministério que Barnabé efetuou ali, havia a preocupação de instruir. Não se contentou ele em deixá-los onde os encontrara. A aura do reavivamento sempre diminui, e então chega a importante obra do ensino e do arraigamento, ou seja, da instrução sobre «todas as coisas» que o Senhor Jesus ensinara, para serem praticadas. É deveras estranho que alguns ministros do evangelho pensem ser tão importante e urgente a pregação do evangelho simples, mas, infelizmente, sem jamais mencionarem a questão da transformação do crente segundo a imagem do Senhor, quando isso é o coração mesmo do evangelho, sendo uma verdade de alcance muito maior do que já pudemos imaginar, por mais que refletíssemos, ignorando, dessa maneira, o ministério do ensino.

A salvação não consiste meramente em alguém vir a crer e fazer publicamente uma declaração de fé. Mas consiste em tudo quanto acontece a essa pessoa, até que ela chegue ao nível da perfeição que há em Cristo Jesus.

Barnabé, entretanto, ensinou que aqueles convertidos precisavam apegar-se à mensagem com «...firmeza de coração...» «O pregador vira a graça de Deus, e se regozijara com ela; mas sabia, conforme o sabem todos os verdadeiros mestres, que é possível à vontade de um indivíduo frustrar essa graça, pelo que a cooperação do crente, manifesta em uma resolução deliberada e firme, é necessária para que a boa obra seja levada a bom termo». (E.H. Plumptrein loc).

11:24  porque era homem de bem, e cheio do Espirito Santo e de fé. E muita gente se uniu ao Senhor.

Deve-se observar, nesta altura do comentário, que as propriedades especiais de bondade, possuídas por Barnabé, bem como o seu excelente caráter cristão, são atribuídos ao ministério do Espírito Santo, tal como fora a eloquência de Estêvão. (Ver At 6:10). Neste ponto aprendemos o que já sabíamos, isto é, que em qualquer coisa em que um homem se pareça com Cristo, é porque o seu «alterego», o Espírito Santo, está operando em seu íntimo, produzindo os diversos aspectos do fruto do Espírito Santo, de acordo com a lista de suas virtudes, em Gl 5:22,23. Essas são as virtudes positivas da natureza moral de Cristo, a qual todos os crentes finalmente possuirão em sua perfeição, porque a perfeição moral, que as Escrituras nos ordenam possuirmos (ver Mt 5:48), não consiste em mera ausência do pecado. Pelo contrário, é uma participação ativa e positiva em todas as facetas da natureza de Cristo - o seu amor, a sua compaixão, a sua bondade, a sua longanimidade, a sua graça, a sua alegria, a sua paz, etc. Somente o Espírito de Deus pode assim transformar um homem, de modo a vir ele a participar, plena e verdadeiramente, dessas virtudes. O desígnio de Deus é que, eventualmente, todos os crentes venham a participar da completa imagem de Cristo, quando as suas virtudes tornar-se-ão verdadeiramente completas em cada crente. O processo será eterno.

«Ele é santo porque o Espírito de Santidade habita nele: não conta apenas com algumas visitas ou retiradas transitórias do Espírito; mas este reside em sua alma e enche o seu coração. O Espírito Santo é a luz do entendimento; é a 'discriminação' do juízo. É o propósito fixo e a 'determinação' da 'vontade' reta. É a 'pureza', seu amor, alegria, paz, gentileza, bondade, mansidão, controle próprio e fidelidade em suas afeições e paixões. Em suma, era o controle soberano sobre o seu coração; governa todas as paixões e é o motivo e o princípio de toda a ação justa. Ele é cheio de fé. Implicitamente dava crédito a seu Senhor: sabia que ele não pode mentir que a sua palavra não falha jamais; esperava não somente o cumprimento de todas as promessas, mas também todo grau de ajuda, de luz, de vida e deconsolo, que Deus, em qualquer ocasião, julgasse ser necessário para a sua igreja. Orava pela bênção divina e confiava que não estava orando em vão. Sua fé jamais fracassou, porque se apegava no Deus que não pode mudar. Contemplai ainda, pregadores do evangelho!um ministro original de Cristo. Emulai a sua piedade, a sua fé e a sua utilidade». (Adam Clarke, in loc).

A menção do importante papel desempenhado por Barnabé, na igreja cristã primitiva, é feita por Clemente, em sua obra RedactorAntijudaicuspág. 109, onde se percebe como a sua reputação perdurou além de sua vida terrena, tendo sido famoso mesmo em séculos posteriores, inteiramente à parte dos registros do N.T.

Barnabé era «...homem bom...», no sentido de possuir «coração amplo», «mente liberal», «generosidade», e não meramente como quem obedecia a certo conjunto de regras. Ele se avantajava acima do estreito sectarismo judaico, de sua santidade meramente legalista. Não era apenas «justo», conforme eram considerados os estritos observadores da lei mosaica, mas era «bom» na manifestação pessoal e fervorosa das graças espirituais. «Sua benevolência impedia-o, eficazmente, de censurar qualquer coisa que fosse nova ou estranha entre aqueles pregadores aos gentios. levando-o a regozijar-se no sucesso deles». (Gloagin loc).

«...muita gente...» Uma grande multidão foi acrescentada à igreja cristã, evidentemente para indicar esse aumento, além da menção do vigésimo primeiro versículo, como resultado direto da presença e do ministério de Barnabé. Esse tipo de ministério florescente e harmonizador, despido de inveja, gradualmente foi fazendo de Antioquia o grande centro do cristianismo. A glória da igreja cristã de Jerusalém foi diminuindo, pois a sua estrela já se apagava. Mas a estrela da graça de Deus subia sobre Antioquia, e ali o Espírito de Deus tomou residência. Que tantas pessoas tenham sido adicionadas à igreja, não é para admirar, posto contarem com ministros como aqueles, ouvindo elas o evangelho de Cristo, pregado e recebido pelo poder do Espírito Santo.

11:25  Partiu, pois, Barnabé para Tarso, em busca de Saulo;

Paulo chega a Antioquia; vss. 25 e 26: Desde a sua conversão Paulo estivera atarefado nas regiões da Síria e Cilícia, e não se há de duvidar que se mostrara ativo especialmente ao redor de sua cidade natal de Tarso, pregando o evangelho e estabelecendo igrejas. Por conseguinte, foi ele o verdadeiro pioneiro da igreja cristã entre os gentios, e o seu ministério marcou o início real da missão cristã entre os povos gentílicos, embora, «oficialmente» falando, segundo está registrado por Lucas em seu livro de Atos, essa distinção tenha sido conferida a Pedro, em sua atividade em Cesaréia, junto à família de Cornélio.

Desde sua conversão, até sua chegada em Antioquia, cerca de catorze anos se tinham passado na vida de Paulo, pois diz ele que fora«...para as regiões da Síria e da Cilícia» (Gl 1:21). E então, apos catorze anos, ele visitou novamente Jerusalém. A maior parte desse tempo ele passou, mui provavelmente, em Tarso, para o qual lugar, segundo diz Lucas, ele foi imediatamente, depois de sua primeira visita a Jerusalém. (Ver At 9:30). Em Atos 15:41 encontramos a menção à igreja na Síria e na Cilícia, que já estava estabelecida quando Paulo e Silas ali chegaram, embora não nos seja dito como tal igreja fora iniciada. Por conseguinte, parece que a narrativa do livro de Atos deixa em branco um período de catorze anos no ministério do apóstolo Paulo. Esse hiato se reveste de alguma importância, posto que foi então que realmente se estabeleceu a missão de evangelização cristã entre os gentios.

Essa omissão, da parte de Lucas, tem deixado os intérpretes perplexos, embora a maioria usualmente resolva que é melhor seguirmos a informação que nos é dada pelas epístolas paulinas, e não os informes do livro de Atos, havendo algumas diferenças nesses relatos. Alguns estudiosos têm conjeturado que os «catorze» anos de Gl 2:1 deveriam ser «quatro» anos, e que algum erro primitivo foi feito aqui, ou pelo próprio Paulo ou por algum escriba primitivo. Contudo, nenhum manuscrito contem o número quatro, pelo que também esse tipo de interpretação se alicerça inteiramente em conjeturas. Seja como for, apesar da suposição de que seriam «quatro anos» para fazer á Omissão de Lucas tornar-se cronologicamente menor, materialmente falando, isso não faz diferença alguma, porquanto Lucas continuaria não nos fornecendo qualquer informe sobre o ministério de Paulo durante esse tempo —ou quatro ou catorze anos. E assim, permanece de pé a principal dificuldade.

A fim de ser preenchido esse período de catorze anos, alguns estudiosos sugerem que a—a longa lista—sofrimentos, pelos quais Paulopassou, segundo o registro de II Co 11:23-27, deve ser encaixada dentro desse período, pelo menos parcialmente. Mas isso, infelizmente, tem de permanecer dentro das interpretações especulativas. Não sabemos dizer por que Lucas omitiu esse período do ministério de Paulo; mas o mais provável é que ele simplesmente não tenha contado com qualquer informe histórico a respeito. Por qual motivo ele não conversara com Paulo, acerca desse período, ao formular suas anotações, também não sabemos dizê-lo, posto que, como companheiro de viagens daquele apóstolo, teria tido fácil acesso a esse material informativo. Alguns talvez encarem isso como prova que Lucas não foi o autor dessa narrativa histórica, e isso deve ser considerado como um problema sério. Entretanto, os pontos em favor da autoria de Lucas em muito contrabalançam essa objeção.

omissão acerca desse importante período da vida de Paulo, na história do livro de Atos, pode ter uma implicação positiva, ou seja, que Lucas não fabricou suas narrativas, meramente pelo uso de certas epístolas paulinas; antes, se utilizou de outras fontes informativas, ainda que estas fossem incompletas, em certos casos. Por exemplo, a simples leitura do primeiro capítulo da epístola aos Gálatas poderia ter levado Lucas a inventar muitas histórias sobre o ministério «siro-ciliciano» de Paulo. Ao invés disso, no livro de Atos, o primeiro ministério significativo de Paulo é a sua primeira viagem «missionária», e At 13:1-14:28. A verdade é que Lucas, valendo-se dos informes de que dispunha, relatou histórias verídicas, e, embora não completas, pelo menos têm o mérito de cativar a nossa confiança.

Weiss, seguindo essa linha de raciocínio, apresenta a seguinte observação: «...um fenômeno da mais elevada importância, em conexão com a origem das narrativas do livro de Atos. Se porventura fossem fictícias, talvez baseadas na epístola de Gálatas, certamente encontraríamos algumas histórias sobre esse período»(Ver History of Primitive Christianity, Macmillan and Co., Nova Iorque, I, pág.205).

Embora não possuamos a mais leve informação sobre como Paulo se manteve ocupado durante esse período, pelo menos sabemos que o seu trabalho foi significativo, e que, ao lançar-se em sua primeira viagem «missionária», já era um missionário veterano. «Não podemos insistir demasiadamente sobre o fato de que o real desenvolvimento de Paulo, tanto como cristão quanto como teólogo, já estava completo nesse período que é tão obscuro para nos, e que, em suas epístolas estamos tratando com um homem plenamente amadurecido». (Ibid., I, pág. 206).

Os dois estiveram juntos em Antioquia pelo espaço de um ano (ver o próximo versículo). Sobre esse tempo o próprio Paulo nada diz, provavelmente porque no primeiro e no segundo capítulos de sua epístola aos Gálatas ele se tenha preocupado mais em narrar os seus contatos com os demais apóstolos, o que dizia respeito à sua afirmação que ele não obteve sua doutrina em consulta com eles, mas antes, independentemente, tendo-a recebido diretamente do Senhor Jesus; por isso mesmo, qualquer menção do fato de que estivera trabalhando com Barnabé seria incidental para o seu propósito. Com base em Gl 2:11-13 ficamos sabendo que quatro anos mais tarde Paulo e Barnabé estavam novamente trabalhando juntos em Antioquia, cidade à qual retornaram depois de terem completado a primeira viagem missionária (ver At 14:26). Por quanto tempo Paulo e Barnabé labutaram em Antioquia, antes de se lançarem em sua primeira jornada missionária, não sabemos precisar; mas a circunstância de que ambos esses ministros estiveram ali por algum tempo, produziu o fenômeno de grande desenvolvimento daquela igreja cristã do mundo gentílico, em que Antioquia foi elevada à posição de nova capital da igreja de Cristo.

«A primeira coisa que Barnabé fez, quando chegou a Antioquia, foi lembrar-se de Paulo. Sabia que precisava de ajuda, se tivesse de aproveitar ao máximo as oportunidades que a cidade de Antioquia oferecia à igreja cristã». (Theodore P. Ferrisin loc).

«Barnabé mui provavelmente sabia que Saulo era vaso escolhido por Deus (ver At 9:15) para o trabalho entre os gentios. Naturalmente que sabia do trabalho efetuado por Saulo entre os helenistas de Jerusalém (ver At 9:29), bem como já recebera notícias de sua obra na Cilícia e na Síria. E, assim sendo, foi a Tarso ao perceber que precisava de ajuda. 'Não tinha ele coisa alguma daquela baixeza que não pode tolerar a presença de um possível rival' (Furneaux). Barnabé reconhecia suas próprias limitações e sabia onde se encontrava o homem do destino, para aquela crise, o homem que já recebera o selo aprovador de Deus. O momento e o homem certo se encontraram, quando Barnabé trouxe Saulo para Antioquia. A porta estava aberta, e o homem estava preparado, muito mais do que quando o Senhor Jesus o chamara na estrada de Damasco. Os anos passados na Cilícia e na Síria não haviam sido em vão, pois ele não estivera indolente... Deus sempre tem um homem preparado para qualquer grande emergência em seu reino. O convite feito por Barnabé foi simplesmente a repetição do chamamento de Cristo. Por isso Saulo atendeu ao mesmo». (Robertson, in loc).

11:26  e, tendo-o achado, o levou para Antioquia. E durante um ano inteiro reuniram-se naquela igreja e instruíram muita gente; e em Antioquia os discípulos pela primeira vez foram chamados cristãos.

CRISTÃOS: grego, «christianós», seguidores de Cristo.

A cunhagem desse vocábulo—cristão—segue a ordem de termos como «herodianos» (ver Mt 22:16; no grego, «herodianoi», isto é, seguidores de Herodes) ou «cesarianos» (seguidores de César). Deissman, em sua obra Light from the Ancient Eastpág. 377, dá exemplos do genitivo kaisarosque também significa «pertencente a César», tal como o adjetivo comum «cesariano».

A palavra «...chamados...» (no grego, «chrematisai») denota «obter o nome». O termo «cristão» (no grego, «christianous») se compõe da palavra grega que significa «Messias» ou «Cristo» (ungido), mais a terminação latina usual que significa «partidário de». Por conseguinte, em Antioquia, alguém inventou uma nova palavra, que agora é usada entre nós há quase vinte séculos. Não é muito provável que os judeus tenham cunhado o termo, pois jamais teriam elevado a nova seita aplicando-lhe qualquer forma ou derivado da palavra hebraica «messiah» (ungido). Também é perfeitamente evidente que os próprios discípulos de Cristo não inventaram essa designação. O mais provável é que tenha sido criação dos gentios de Antioquia, familiarizados como estavam tanto com o latim como com o grego, sabendo que os discípulos de Jesus chamavam-no pelo título de «Cristo». Usaram tal palavra, pois, e latinizaram-na um tanto, a fim de dar-lhe o sentido de «partidários de», «seguidores de», «aderentes de» Cristo. Os judeus costumavam chamar os cristãos pelo apelido de «nazarenos», o que, para eles, era termo depreciativo, porquanto Nazaré era uma aldeia de ínfima significação. Nada de bom se esperava que procedesse dali (ver Jo 1:46), quanto menos a maior de todas as figuras humanas, o próprio Messias... Assim, pois, os judeus usavam esse apelido por derrisão, sarcasticamente. Os próprios crentes se chamavam de aprendizes (discípulos) ou «seguidores» de Cristo.

Existem três empregos diferentes dessa palavra, nas páginas do N.T. a fim de indicar os seguidores de Cristo. O primeiro emprego é o que aqui encontramos, utilizado pelos gentios hostis, a fim de designarem os seguidores da nova religião. Em At 26:28 encontramos o segundo emprego, evidentemente como termo depreciativo, usado por Agripa. E a passagem de I Pe 4:16 emprega essa palavra, referindo-se à comunidade cristã. Mui provavelmente, quando essa epístola petrina foi escrita, os crentes já usavam livremente a designação cristãos para indicarem a si mesmos, embora a perseguição de que Pedro fala, contra os cristãos, provavelmente subentende que Roma perseguia os «cristãos» como indivíduos desprezíveis, usando a palavra em sentido pejorativo. Pedro, pois, escreveu que se alguém viesse a sofrer como «...cristão...», não deveria encarar com alarme tal perseguição, pois isso era, na realidade, sinal de que estava sendo elevadamente favorecido pelo Senhor. Pois, por essa altura primitiva de sua história, era motivo de ufania para os crentes o fato de serem chamados «cristãos».

Portanto, foi em Antioquia que esse honroso título de «cristão» passou a ser usado para designar os crentes em Jesus. O famoso Inácio foi bispo de Antioquia, e mais tarde sofreu martírio em Roma. E em Antioquia João Crisóstomo pregava seus poderosíssimos sermões, tendo escrito os seus notáveis comentários naquela cidade. Antioquia, pois, se tornou famosa dentro da tradição cristã, tendo servido de capital do movimento cristão quando se apagou a estrela de Jerusalém.

Como curiosidade histórica, é possível que muitos pagãos tenham chamado os crentes de «crestãos», e não de «cristãos», não estando bem familiarizados com o conceito hebreu de «Cristo» ou «Messias», mas antes, confundindo essa palavra com termo similar, «chrestus»,que é nome próprio até hoje bastante comum na Grécia e significa «bom». Alguns pagãos provavelmente pensavam que os discípulos eram os «bons» chrestianos») e não «cristãos» ou «seguidores de Cristo». Esse parece ter sido o ponto de vista de Suetônio (historiador romano), quando disse que os judeus haviam feito perturbações em Roma, sob a «instigação de Cresto» (ver Cláudio, 25). Ver também Tertuliano, Apologia, cap. 3, que exibe esse uso do termo).

«Cristão, por conseguinte, é a mais elevada designação que um ser humano qualquer pode ter à face da terra; e recebê-la da parte de Deus, como prece que sucedeu, torna-a um título gloriosíssimo!» (Adam Clarke, in loc).

Nos escritos dos pais da igreja cristã há diversos usos primitivos desse vocábulo, o que mostra como tal título veio a tornar-se, desde quase o princípio, uma designação honrosa, ainda que originalmente tivesse sido palavra cunhada pelos pagãos de Antioquia. (Ver Inácio, Epístolas, Rm 3:3; Mgniv; Ef 11:2; Mart. Plvc. x e xii: 1,2). Nos escritos de Gregório (Naz. Orat. iv (sobre Jul. 1 86, par. 114), ficamos sabendo que os judeus costumavam fazer objeção a esse nome como designação para indicar os seguidores de Jesus, e preferiam chamá-los «galileus».

«...Cristo deixou surgir esse nome... como um pendão, mediante o que se viesse a conhecer, por todo o mundo, que havia um povo cujo capitão era Cristo, o qual glorificava ao seu nome». (Calvino, in loc).

11:27  Naqueles dias desceram profetas de Jerusalém para Antioquia;

11:27 - Vss. 27-30 - A visita a Jerusalém, ao tempo da fome.

Esta breve seção tem produzido toda sorte de problemas históricos e de interpretação. Parece-nos que se por essa altura a igreja cristã de Antioquia enviava bens materiais a Jerusalém, a fim de ajudar a aliviar a situação de pobreza a de fome que ali imperava, que já se dera a mudança de poder, de Jerusalém para Antioquia, ou, pelo menos, que estava ocorrendo então essa transferência do poder central de Jerusalém para aquela cidade. Alguns eruditos, entretanto, têm duvidado da autenticidade de toda essa seção, com base nos seguintes argumentos:

1. Nenhuma profecia, segundo lemos aqui, teria sido feita, tudo não passando de uma reiteração da narrativa de At 21:10,11, onde encontramos o mesmo profeta, Ágabo, em operação. Essa narrativa, pois, no presente texto, teria sido criação do autor sagrado, que simplesmente duplicou eventos com relação a Ágabo. Observe-se que naquela seção há certa similaridade de conteúdo, o que tem dado origem a esta sugestão.

2. Alguns estudiosos duvidam da autenticidade histórica desta seção, visto que evidentemente ela não é aludida na epístola aos Gálatas, e nem em qualquer das demais epístolas paulinas, como parte das atividades de Paulo. A visita descrita por esse apóstolo, no trecho de Gl 1:18-24, corresponde ao que se lê em At 9:26-29, ao passo que o informe de Gl 2:1-10 corresponde ao que está registrado em At 15:2-29, visita essa que, ordinariamente, e chamada de «visita ao concilio».

3. A visita aqui historiada —At 11:27-30 —aparentemente teria ocorrido entre as duas outras visitas ali mencionadas; mas quanto a isso não contamos com qualquer registro nas epístolas paulinas. Os intérpretes que assim dizem pensam que é fatal, para esta seção que ora comentamos, a observação de que a epístola aos Gálatas certamente teria algum registro sobre essa visita, se realmente ela houvesse ocorrido, posto que o apóstolo Paulo ansiava por registrar todas as suas atividades relacionadas a Jerusalém, porquanto queria demonstrar que recebera o evangelho independentemente dos outros apóstolos, e, sim, diretamente da parte do Senhor Jesus, o que o qualificava a ser um apóstolo, tal como aqueles outros, devido ao fato de que o Senhor tratara diretamente com ele, aparecendo-lhe pessoalmente, do mesmo modo que fizera com os demais apóstolos. Ora, dizem ainda os mesmos intérpretes, que se tivesse havido alguma outra visita a Jerusalém, que não foi mencionada, poder-se-ia imaginar que, nessa oportunidade, Paulo poderia ter-se consultado com os apóstolos, e que o seu evangelho era uma mensagem emprestada de outros.

Certo número de soluções tem sido oferecido para dar solução a essas dificuldades, a saber:

1. Alguns estudiosos supõem que o incidente aqui registrado é historicamente autêntico, mas que tenha chegado ao conhecimento de Lucas como vaga reminiscência, tendo sido escrito fora de sua devida posição cronológica, pois sua posição certa seria após a narrativa do décimo quinto capítulo de Atos. Isso faria do registro uma reiteração histórica de sua ultima visita, posta ali por antecipação. Poderia ter sido uma visita posterior ao tempo que parece ser sugerido pela sua posição dentro do livro de Atos, e como resultado da admoestação feita pelos apóstolos, quando do concilio de Jerusalém, para que Paulo e seus colegas de ministério entre os gentios, segundo ele mesmo diz, «...nos lembrássemos dos pobres...» (Gl 2:10).

2. Alguns outros estudiosos pensam que essa anterior viagem e missão realmente teria ocorrido, e que Paulo tivera a intenção de ir também. Mas, por alguma razão, para nós desconhecida, somente Barnabé pôde fazê-lo. Lucas, tendo encontrado em seu material informativo, a ideia de que Paulo também fora escolhido para fazer essa viagem, mui naturalmente teria concluído que Paulo também participara da viagem, e assim escreveu, embora esse apóstolo, realmente, não tenha feito a citada viagem.

3. A narração sobre essa visita da fome e a narração sobre a «visita ao concilio», na realidade, seriam uma reiteração, isto é, descrições sobre o mesmo acontecimento, embora baseadas em fontes informativas diferentes, narradas de diferentes pontos de vista. Uma dessas fontes informativas salientaria a generosidade da igreja de Antioquia (a que está por detrás da «visita da fome», ao passo que a outra frisaria o debate havido, em Jerusalém, sobre a legitimidade do cristianismo gentílico, o qual, incidentalmente, incluiu eventos similares àqueles aqui historiados. A primeira fonte informativa estaria na igreja de Antioquia, e a localidade da segunda (ver o décimo quinto capítulo do livro de Atos) seria a igreja de Jerusalém. Um bom número de críticos modernos aceita essa explicação para o problema, mas as explicações seguintes podem ter também alguma dose de verdade, contrárias ao ponto de vista aqui exposto.

Essa posição acima faz o trecho de Gl 2:1-10 e o décimo quinto capítulo do livro de Atos exporem a mesma questão, e, portanto, deixa sem explicação as sérias discrepâncias existentes entre esses dois textos. Por isso mesmo tem sido oferecida ainda uma outra solução: A passagem de Gl 2:1-10 deveria ser identificada com a «visita da fome», e não com a visita ao concilio. As duas ocorrências, portanto,seriam distintas, tal como Lucas registrou. Deve-se observar, na epístola aos Gálatas, que Paulo assevera que subiu a Jerusalém por revelação (ver Gl 2:2), e isso poderia ser uma referência à inspirada advertência dada ao profeta Ágabo, em At 11:28, concernente à fome que haveria de prevalecer. As ações de Paulo e Barnabé, por conseguinte, também estariam conforme a injunção que lhes recomendava se lembrarem dos pobres (ver Gl 2:10). A visita da fome, feita por Paulo, pois, teria sido feita em antecipação à posterior e maior «coleta para os santos», o que, pelo menos em parte, resultou das decisões tomadas pelo concilio de Jerusalém. Outrossim, a conduta duvidosa de Pedro em Antioquia, ao recusar-se a comer em companhia de gentios, por causa das pressões que sofria da parte dos judaizantes, torna-se muito mais compreensível, se isso teve lugar antes do concilio formal de Jerusalém, que tratou exatamente da posição dos irmãos gentios. (Ver G 2:11 e s.). Assim, pois, fica uma vez mais comprovado que o trecho de Gl 2:1-10 mais provavelmente descreve a «visita da fome», e não a «visita ao concilio».

Essa posição é assumida por Turner, em Chronology of the New Testament(Dictionary of the Bible), James Hastings, Nova Iorque, 1900; e por Sir William M. Ramsay (evidentemente o primeiro erudito de fama a sugerir essa ideia), como também por C. W. Emmet, em um ensaio intitulado The Beginnings of ChristianityII, págs. 277 e s. Assim sendo, o segundo capítulo da epístola aos Gálatas descreveria, se essa posição está certa, um debate de natureza particular e informal, e não um debate publico, que teria a natureza da ocorrência descrita no décimo quinto capítulo do livro de Atos.

Mas ainda existem outros problemas de cronologia, a saber:

Josefo (ver Antig. xx.5,2) informa-nos que houve uma fome em cerca de 46 d.C. Isso dataria a «visita da fome», feita por Paulo a Jerusalém. A visita a Jerusalém, conforme aparece mencionada no trecho de Gl 2:1, teria ocorrido «catorze anos» antes, de acordo com o cômputo inclusivo, que era o método antigo de contar uma série qualquer, situaria a data em 33 d.C. E a conversão de Paulo teria sido três anos antes (ver Gl 1:18), ou seja, em 31 d.C., segundo ainda o mesmo método de cômputo inclusivo. A crucificação teria ocorrido em cerca de 29 d.C. Talvez, entretanto, os «catorze anos» aludidos em Gl 2:1 sejam «quatro anos», segundo alguns estudiosos conjecturam, em que um erro primitivo teria sido preservado em todos os manuscritos bem conhecidos da epístola aos Gálatas, em qual caso a cronologia seria a seguinte:

1. A crucificação 29 D.C.
2. A conversão de Saulo 31 ou 39 D.C.
3. Primeira visita, após três anos 33 ou 42 D.C.
4. «Visita da fome», após catorze anos 46(?) D.C.
5. «Visita ao concilio» 49 D.C.

A primeira viagem missionária de Paulo (em cerca de 47 ou 48 d.C), que é descrita no décimo terceiro capítulo do livro de Atos, mui provavelmente teria ocorrido entre a segunda e a terceira visitas. Foi durante esse mesmo tempo que, mui provavelmente, foi escrita aepístola aos Gálatas. Posto que nem Lucas e nem Paulo resolveram dar uma narrativa cronológica completa, e posto que talvez haja alguma deslocação de material, isto é, que nem sempre tenha sido seguida uma ordem estritamente cronológica na apresentação das narrativas, a nós foi dado conhecer apenas alguns dentre muitos acontecimentos. Questões como sequências exatas permanecem em dúvida, não havendo forma totalmente adequada e Isenta de dúvidas para examinarmos essas questões agora, passados mais de mil e novecentos anos.

Levando-se em conta todas as considerações, entretanto, parece melhor identificarmos a «visita da fome» com a narrativa do segundo capítulo da epístola aos Gálatas, ao passo que a visita ao concilio como algo realizado em data posterior. A «visita da fome», pois, é assim corretamente distinguida por Lucas da visita de Paulo ao concilio de Jerusalém, registrado no décimo quinto capítulo do livro de Atos. A «visita da fome», por conseguinte, assinalou uma crise real na carreira de Paulo como apóstolo, visto que foi então que tiveram lugar as acerbas disputas, com os irmãos de tendências legalistas, em Jerusalém. Mas a ação de Paulo foi posteriormente justificada, quando do concilio de Jerusalém, conforme o registro do décimo quinto capítulo do livro de Atos. Nessa oportunidade, contudo, Paulo se tornou realmente bem conhecido, e o seu ministério entre os gentios foi amplamente reconhecido por todos, como merecedor de aprovação.

Os «...profetas...», na igreja cristã primitiva, evidentemente eram homens dotados de considerável aptidão psíquica, conhecidos por suas declarações inspiradas, pelo que também eram distinguidos dos pregadores ordinários das igrejas. Eram reputados, quanto à categoria espiritual, imediatamente depois dos apóstolos, no exercício dos dons espirituais, segundo se depreende de trechos como I Co 12:28; Ef2:20; 3:5; 4:11 e Ap 22:9, No livro de Atos os profetas são aludidos em At 13:1; 15:32; 21:9,10 e nesta seção. Os profetas exerciam os seu ofício mais em virtude de seus dons carismáticos do que por qualquer sanção oficial ou nomeação por parte da igreja, porquanto não há evidências de que a posição deles existia através de qualquer forma de ato consagratório.

O trecho de I Co 14:29-39 mostra-nos, todavia, que algumas vezes os profetas se deixavam arrebatar em seu entusiasmo, ao ponto de haver desordem nos cultos das igrejas; e isso Paulo censurou severamente. É óbvio que até mesmo naqueles primeiros dias surgiram dúvidas sobre a autenticidade dos dons de alguns desses «profetas», o que se depreende pelo fato de que alguns deles eram suspeitos de receberem o seu poder da parte maligna, e não de alguma fonte boa. (Ver I Jo 4:1 e I Ts 5:20,21). Os poderes que chegam de fontes sobrenaturais, que manifestamente estão acima do que se poderia esperar da capacidade humana normal, sempre serão difíceis de aquilatar quanto à sua origem; e, nesses casos, podemos tão-somente aplicar o que disse o Senhor Jesus: «Assim, pois, pelos seus frutos os conhecereis» (Mt 7:20). Infelizmente, o moderno critério para julgar tais pessoas tem degenerado ao teste que diz: «Por suas denominações os conhecereis». Mas essa atitude resulta do sectarismo, e certamente não agrada a Deus.

Judas e Silas eram profetas, conforme são chamados (ver At 14:4 e 15:32). Tinham uma inspiração superior àquela dos que falavam em línguas (ver I Co 14:3). João Batista também foi chamado de profeta (ver Lc 7:26). Profetas autênticos são extremamente necessários na igreja cristã moderna; mas o quadro geralmente é tão confuso e contraditório que é dificílimo distinguirmos o falso do verdadeiro.

É bem provável que certo número desses «profetas» primitivos fizesse parte original dos setenta discípulos, cuja missão é descrita no décimo capítulo do evangelho de Lucas; mas não há razão para limitá-los à esfera dos profetas. O dom da profecia com frequência incluía a predição de acontecimentos; mas era mais especificamente caracterizado por um exaltado e sobre-humano ensino. Isso novamente, enfatiza a importância do ensino, posto que essa função era favorecida pela dispensação de um dom espiritual todo especial.

11:28 e levantando-se um deles, de nome Ágabo, dava a entender pelo Espirito, que haveria uma grande fome por todo o mundo, a qual ocorreu no tempo de Cláudio.

A derivação do nome «...Âgabo...» é incerta; mas é possível que seja idêntico ao apelativo Hagabe ou Hagabá, que aparece no A.T. Sabemos pouquíssimo sobre esse homem, porquanto há tão-somente duas referências a ele em todo o N.T., isto é, aquela que encontramos aqui, onde ele predisse a fome que realmente ocorreu quando do reinado de Cláudio, e a sua predição sobre a sorte que esperava Paulo em Jerusalém, em profecia feita em Cesaréia. (Ver At 21:10,11). Segundo as tradições posteriores, Ágabo aparece como um dos «setenta» discípulos (descritos no décimo capítulo do evangelho de Lucas), até que, finalmente, foi martirizado por sua fé. Embora, em alguns escritos antigos, seja dito que ele era nativo de Antioquia, parece antes, por este texto, que ele era da Judéia, talvez de Jerusalém. Diz-se que ele morreu em Antioquia, e o martirológio romano o venera a 3 de fevereiro.

«...grande fome...» Não há razão para supormos que homens, ajudados ou não pelo Espírito Santo, possam com frequência predizer eventos futuros, pois, afinal de contas, o homem é um ser espiritual, que temporariamente está cativo a um corpo físico. A predição do futuro não é, necessariamente, uma característica «divina» ou demoníaca. Os estudos feitos quanto ao fenômeno dos sonhos mostram que todos os seres humanos, no estágio do sono, combinam acontecimentos passados, presentes e futuros no conteúdo de seus sonhos, na tentativa de encontrar solução para os seus problemas. Todos os homens, simplesmente por serem homens, até certo ponto são «profetas», se limitarmos o sentido desse vocábulo para que indique somente a predição do futuro. Naturalmente um profeta, no sentido bíblico, é muito mais do que um indivíduo que prediz o futuro; é igualmente um homem espiritualmente dotado, que exerce um dom de ensino; e quando prediz o futuro, fá-lo por alguma razão espiritual, e não meramente como curiosidade de informação. Naturalmente aqueles que são dotados de algum dom espiritual são pessoas capazes de predizer o futuro com muito maior significação do que os homens ordinários podem fazê-lo.

Cada indivíduo é um instrumento sem-par. É interessante observarmos que Ágabo evidentemente se especializou em conhecer o futuro e em maior extensão até mesmo que alguns dos apóstolos. Pois aqui estava alguém que fez tal predição, enquanto que Paulo, apesar de apóstolo, nada sabia a respeito. Além disso, no vigésimo primeiro capítulo do livro de Atos, quando Ágabo adverte sobre as consequências da visita de Paulo a Jerusalém, porquanto ali seria feito prisioneiro, novamente foi ele quem reconheceu o futuro, e não Paulo ou qualquer outro ministro da igreja. Trata-se de um fenômeno assaz interessante, pois, considerando-se o quadro total, Paulo e os demais apóstolos supostamente eram mais bem-dotados na diversidade dos dons inspirados pelo Espírito Santo do que Ágabo; mas o seu dom era especialmente adaptado para predizer o futuro. Assim, pois, cada indivíduo recebe o seu próprio dom, e, sendo isso dirigido para propósitos específicos, torna cada crente individual uma criatura sem igual. Por conseguinte, apesar de todos os remidos estarem sendo transformados segundo a imagem moral e metafísica de Cristo, compartilhando de sua santidade e de suas perfeições, cada indivíduo é um instrumento especial para a glória de Deus.

«...fome...» predita por Ágabo também ficou registrada na história. Tácito (Anais xii.43) e Suetônio (Claudio, 18) se referem a diversos períodos de fome durante o reinado de Cláudio (41 - 54 D.C.). Josefo menciona uma fome especialmente severa na Judéia, que ocorreu em 46 D.C., a qual, sem a menor sombra de dúvida, é a escassez aqui referida por Lucas. Diom Cássio (lib. lx) menciona severa fome, que ocorreu no primeiro e no segundo anos do reinado de Cláudio, a qual foi sentida pesadamente até mesmo na longínqua Roma. Essa fome foi que evidentemente induziu o imperador Cláudio a construir um porto marítimo em Óstia, para que a cidade de Roma pudesse ser mais regularmente suprida de víveres, que geralmente lhe chegavam por via marítima.

Um segundo período de fome ocorreu no quarto ano de seu reinado, escassez essa que prosseguiu por diversos anos e afligiu grandemente a Judéia. (Ver Josefo, Antiq. xx.5, seção 2). Mui provavelmente essa é a fome mencionada no vigésimo oitavo capítulo do livro de Atos, quando ela foi predita.

Uma terceira fome foi mencionada por Eusébio (An. Abrahami), que teve começo em outubro de 48 D.C. que atingiu severamente grande parte do mundo civilizado de então.

Um quarto período de fome teve lugar no décimo primeiro ano do reinado de Cláudio, fome essa mencionada por Tácito (ver Anais, xii.,seção 43). Essa fome foi tão severa, nessa ocasião, que se pensou ser um julgamento divino. Tácito revela que em todas as vendas de Roma não havia provisões para mais de quinze dias, e que se o inverno não tivesse vindo extraordinariamente suave, teria havido aflição e miséria espantosas.

É muito provável que a fome, mencionada neste livro de Atos, no segundo ano do reinado do imperador Cláudio, tenha perdurado por diversos anos, de conformidade com as fontes históricas de que dispomos, ou seja, de 45 a 47 D.C. Quando a predição da fome foi feita por Ágabo, deveria estar a apenas meses de distância, ou talvez já estivesse em seus estágios iniciais.

«...Cláudio...» Cláudio foi imperador romano de 41 a 54 D.C. Suetônio (ver Cláudio, 29), um dos historiadores romanos, diz-nos que esse imperador expulsou os judeus da cidade de Roma, por haverem feito levantes instigados por Cresto (presumivelmente o incidente registrado em At 18:2). Se isso é verdade, então «chrestus» (nome esse que se deriva de um substantivo próprio que, no grego, significabom) mui provavelmente foi confundido por Suetônio com a palavra «christos» (no grego, ungido). E, assim sendo, a causa da agitação entre os judeus teria sido sua oposição e conflito contra os cristãos.

Um decreto, provavelmente baixado por Cláudio, punia um furto feito em um túmulo, e têm sido encontradas evidências arqueológicas em confirmação a isso, na Galiléia. Alguns estudiosos têm suposto que essa ação foi parcialmente provocada pela história da «ressurreição» de Jesus; porém, se esse decreto foi baixado por Cláudio, parece ter sido muito posterior para que tivesse qualquer coisa a ver com a ressurreição do Senhor. A menos, naturalmente, que tenha dito respeito à pregação da igreja cristã primitiva, predica essa que incluía a ressurreição de Cristo (em vinculação à acusação, assacada pelos judeus, de que o corpo de Jesus fora furtado pelos seus discípulos, e não que ele realmente ressuscitara). Ora, a agitação que isso facilmente poderia ter provocado, bem poderia ter sido o motivo do decreto imperial, até mesmo nos tempos posteriores de Cláudio. Essa particularidade, entretanto, até hoje não pôde ser determinada com exatidão, e, no presente, não há como dar solução ao problema. Cláudio morreu envenenado pela sua quarta esposa,Agripina, mãe de Nero (54 D.C), após ter feito um reinado fraco, durante o qual, no dizer de Suetônio, ele «...mostrou-se não um príncipe, mas um servo», pois se deixava guiar pelos outros.

Variante Textual_Os versículos vinte e seis e vinte e oito são expandidos
no chamado texto «ocidental», para que digam: «...e naqueles dias vieram profetas de Jerusalém a Antioquia, e houve muita alegria. E quando estávamos reunidos, um deles, de nome Ágabo, falou, querendo dizer...» Assim diz o códex D, bem como as versões latinas p e w. O texto ocidental (manuscritos que nos vieram das igrejas cristãs do ocidente, isto é, da Itália e de certas regiões do norte da África) conta com tão numerosas variantes que sugere que o livro de Atos circulou, na igreja cristã primitiva, em duas edições separadas. A maior parte dessas variantes consiste em expansões e ornamentações feitas no texto; porém, os trechos que dizem respeito à Ásia Menor encerram interessantes e significativas variantes, do ponto de vista histórico e geográfico. Esse texto mais longo, o «ocidental» não é reputado, todavia, como texto original do livro de Atos.

Trechos do livro de Atos chamados de seções nós. A variante particular, que hora consideramos, não teria grande importância, não fora o fato de que se trata da primeira das chamadas «seções nós» deste livro. Supõe-se que, nessas passagens, Lucas ter-se-ia reunido a Paulo e aos outros obreiros cristãos mencionados, nas quais o livro se torna uma espécie de autobiografia, como também uma narrativa histórica. Ordinariamente, as «seções nós» são consideradas como as seguintes: At 16:10-17; 20:5-15; 21:1-18 e 27:1-28:16. Assim sendo, o ponto em que Lucas se juntou ao grupo evangelístico em viagem teria sido na altura do décimo sexto capítulo. Mui provavelmente isso é correto, do ponto de vista histórico, pois o versículo que ora consideramos, fazendo parte apenas do chamado texto «ocidental», não deve ser reputado representante do livro original de Atos.

11:29  E os discípulos resolveram mondar, cada um conforme suas posses, socorro aos irmãos que habitavam na Judéia;

Podemos apreciar aqui a generosidade da igreja cristã de Antioquia. Havia muitos irmãos de tendências legalistas, em Jerusalém, que dificilmente teriam prestado socorro semelhante, se a situação fosse inversa, isto é, se em Antioquia é que os cristãos estivessem sofrendo. Os preconceitos aleijam e tolhem os instintos humanitários naturais, mas aqueles cristãos gentios primitivos não se preocupavam com fronteiras nacionais.

Importância da caridade.

«Um homem pode ser famoso, bem-sucedido, rico, realizador de grandes feitos, mas, se não cultivou e nem refinou esse instinto natural para ajudar aos outros, que sofrem aflição, até que esse instinto se eleve acima de todos os outros e os domine, qual soberano, então esse homem, como homem, é um fracasso. Essa é a escola onde nós, os crentes, estamos sendo treinados; e embora reconheçamos o fato de que, com frequência, temos falhado no teste, permitindo que outros instintos, inferiores e mais aviltados, dominem sobre aquele sentimento supremo, não obstante existem sinais de que temos feito algum progresso, tendo crescido em nossa capacidade de amar.»(Theodore P. Ferrisin loc).

De acordo com a filosofia extremamente pessimista do filósofo alemão Schopenhauer, em que a própria existência é considerada como um mal e em que o maior pecado de um homem consiste no fato de que «nasceu», a simpatia, entretanto, é aceita como uma das virtudes e emoções positivas, que são possíveis e permissíveis. Portanto, até mesmo no ambiente melancólico daquela posição filosófica, a simpatia humana natural se eleva como uma qualidade digna e necessária, porque todos estamos juntos nesse batel da miséria humana, e, de alguma forma ou de outra, precisamos ser guardadores de nossos irmãos. Jesus Cristo foi o supremo exemplo de como alguém deve cuidar de seus irmãos. O livro de Tiago toca no âmago dessa verdade quando declara: «A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo» (Tg 1:27).

Essa visita aos órfãos e às viúvas significa procurar aliviar as suas necessidades, contribuindo para o seu bem-estar, e não apenas fazer-lhes visitas ou servir-lhes de companhia, embora isso também seja um aspecto importante.

No que concerne à situação específica descrita por este texto, salienta Calvino (in loc): «E essa gratidão não merecia pequeno louvor, pois os crentes de Antioquia pensavam que deveriam ajudar a irmãos necessitados, de quem haviam recebido o evangelho. Porquanto nada existe de mais acertado do que aqueles que têm semeado as realidades espirituais, colham também coisas terrenas. Visto que qualquer um de nós se inclina demasiadamente por prover para as suas próprias necessidades, todos aqueles homens poderiam ter objetado: Por que não cuido antes de mim mesmo? Porém, ao relembrarem-se eles de quão grandemente estavam endividados para com os irmãos (da Judéia), omitindo essa preocupação pessoal, voltaram-se para ajudá-los».

Há necessidade de dar, para que alguém seja liberal. «Foi prometido, àqueles que consideram as necessidades dos pobres, que Deus os preservaria em vida, e que seriam bem-aventurados na terra (ver Sl 41:1,2). Muitos dão aos pobres pela razão de que têm muito, de sobra; mas as Escrituras nos fornecem uma razão pela qual deveríamos ser liberais, (é bom dar) a sete e a oito, porquanto não sabemos que mal sobrevirá à terra. (Ver Ec 11:2)». (Matthew Henry, in loc).

Como deveriam ser feitas as contribuições aos pobres? Assim lemos nas Escrituras: «...cada um conforme as suas posses...» Essa instrução segue-se à injunção de Paulo, em I Co 16:2, que determina que cada um deve contribuir «...conforme qualquer um deles houver prosperado...» O verbo «prosperar» é tradução de uma palavra grega, «euporos», que indica o sentido de «passar facilmente».Assim é transmitida a ideia de prosperidade, mediante a figura simbólica de uma jornada fácil e favorável. Aqueles, pois, que estão passando por uma viagem fácil e favorável, nesta vida, deveriam interessar-se por tornar um pouco mais fácil essa jornada, para outros, especialmente no caso de serem irmãos na fé.

Neste ponto encontramos o começo da coleta para os «santos pobres de Jerusalém», o que, posteriormente, ocupou parte tão proeminente nos labores do apóstolo Paulo. (Ver At 24:17; Rm 15:25,26; I Co 16:1; II Co 9:1-15 e Gl 2:10). Essa prática Paulo reputou como um vínculo de união entre a seção judaica e a seção gentílica da igreja cristã. Muitos comentadores bíblicos acreditam que a generosidade demonstrada pela igreja cristã de Jerusalém, ou sua vida de tipo comunal, no princípio de sua história, segundo vemos no registro dos capítulos segundo, quarto e quinto do livro de Atos, deixou aquela igreja com uma estrutura econômica débil. Mui provavelmente isso expressa uma verdade, mas a principal razão para essa crise foi a perseguição movida contra os judeus crentes, porquanto muitos deles perderam suas propriedades e seus recursos pecuniários, quando não perderam a própria vida. Os reiterados períodos de escassez e fome vieram agravar enormemente a situação inteira, piorando a situação de uma igreja que já se achava empobrecida.

11:30  o que eles com efeito fizeram, enviando-o aos anciãos por mão de Barnabé e de Saulo.

Não se há de duvidar que Barnabé e Saulo desempenharam papel preponderante no levantamento de fundos para socorro aos irmãos pobres de Jerusalém, e providenciaram para que fosse atingida uma soma suficiente para ser de real ajuda aos crentes daquela cidade. Posteriormente Paulo expandiu grandemente essa obra de beneficência, conforme vemos nas referências bíblicas oferecidas no último parágrafo dos comentários sobre o versículo anterior. Tudo isso, pois, mostra-nos quão importante era, para o cristianismo primitivo, a prática das esmolas. Essa ideia fora importada diretamente do judaísmo.

«...presbíteros...» Em todo o N.T., esta é a primeira ocorrência desse vocábulo para indicar os líderes cristãos, como pregadores, pastores e oficiais. Originalmente esses líderes é que tomavam conta das igrejas de Jerusalém que se reuniam em casas particulares, conforme era costumeiro na igreja cristã primitiva, antes que se iniciasse a ereção de templos para o culto cristão. Na passagem de At 15:6,23, os «presbíteros» figuram, juntamente com os apóstolos, numa espécie de concilio eclesiástico. É bem possível que, a princípio, os presbíteros tivessem as mesmas funções que cabiam aos presidentes das sinagogas judaicas, os quais eram os principais elementos daquela estrutura eclesiástica antiga, embora, mui provavel­mente, não fossem originalmente consagrados por qualquer cerimônia específica para ocuparem suas funções. Entretanto, não tardou muito para que se generalizasse a ordenação ou consagração de tais ministros, porque até mesmo em At 14:23 vemos que já estava estabelecido o costume de consagrar tais ministros. Essa ordenação, outrossim, sem dúvida era efetuada através do rito da imposição de mãos, novamente em imitação à prática judaica, quando da consagração de seus oficiais eclesiásticos.

No trecho de At 20:17, os termos «anciãos» e «bispos» são usados alternadamente, o que também se pode verificar na passagem de Tt 1:5,7. Originalmente, sem dúvida alguma não havia qualquer ofício distinto entre os «anciãos» e os «diáconos». Mas gradualmente foi surgindo certa diferença, em que os «diáconos» passaram a ocupar uma posição um tanto ou quanto inferior à dos «anciãos» ou «pastores», e muito provavelmente ficaram encarregados de cuidar mais das necessidades materiais das igrejas locais, ao passo que os anciões se fizeram os principais líderes espirituais das mesmas. (Ver a totalidade do terceiro capítulo da primeira epístola a Timóteo).

Os diáconos do sexto capítulo do livro de Atos, apesar de terem sido um grupo distinto de homens e receberem distintas responsabilidades, não equivalentes aos deveres dos «anciãos», ou «bispos» e dos «diáconos» da organização eclesiástica cristã posterior, foram exemplos antecipatórios da existência de oficiais que não fossem apóstolos, dentro do organismo cristão. As qualificações para quaisquer oficiais eclesiásticos subordinados eram mais ou menos idênticas para todos, como também eram idênticas muitas de suas funções. Portanto, apesar do fato de que o ofício dos «diáconos», no sexto capítulo do livro de Atos, não ser tecnicamente igual à função dos «diáconos», na igreja cristã mais bem organizada, suas qualificações e funções eram similares. E o ofício mais antigo, assim sendo, antecipou o estabelecimento do ofício posterior, para todos os efeitos práticos.

Bibliografia R. N. Champlin


Antioquia, A Primeira Igreja Missionária

"Em Antioquia, foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos" (At 11.26).

Antioquia da Síria foi a ci­dade mais importante para o Cristianismo, depois de Jeru­salém, no início da fé cristã.

Bar­nabé teve um papel preponderante na vida ministerial do apóstolo Paulo. Primeiro, ele o introduziu na comu­nidade cristã em Jerusalém, quando ninguém acreditava em sua conver­são. Depois, foi buscá-lo em sua ci­dade natal, Tarso, na Cilícia, para, juntos, ensinarem a Palavra de Deus em Antioquia da Síria.

Durante um ano Paulo e Barnabé ensinaram a Palavra de Deus em Antioquia da Síria. Após este período, os novos conver­tidos estavam completamente muda­dos, ao ponto de chamarem a aten­ção dos moradores locais, os quais os cognominaram de cristãos.

Paulo e Barnabé, após este período de um ano, ensinando a Palavra de Deus em Antioquia da Síria, foram indicados, nominalmente, pelo Espírito Santo, para a obra missionária. Os dois for­maram, portanto, a primeira dupla de missionários enviados ao Exterior, os quais, por onde passaram, funda­ram diversas igrejas.

Outro centro cristão começa a despontar no horizonte. A situação em Jerusalém tornara-se insuportá­vel, por causa das frequentes perseguições. Os discípulos foram disper­sos para a Judéia e Samaria, exceto os apóstolos (At 8.1). Por onde passavam, anunciavam o Senhor Jesus (At 8.4). Outros foram para a Fenícia, a ilha de Chipre e as cidades de Antioquia da Síria e Cirene.

De todas essas localidades, An­tioquia da Síria sobressaiu-se, tor­nando-se o mais importante centro missionário, no primeiro século do Cristianismo.

A EXPANSÃO DA IGREJA

1. "Caminharam até a Fenícia" (v.19). Os fenícios destacaram-se na História, pela arte náutica. Eram inigualáveis navegadores e peritos mercadores. Fundaram bases em Cartago, Malta, Silícia e Sardenha, como entrepostos para o desenvol­vimento do comércio. Eram idola­tras. Sua divindade nacional era Baal e adoravam também a Astarote e a Asera (l Rs 11.5; 16.31; 18.19). Eles descendiam deSidom, filho de Canaã (Gn 10.15,19; Is 23.11,12), e constituíram uma civilização muito antiga (Is 23.7). Só encontramos o nome deste país no Novo Testamen­to (At 11.19; 15.3; 21.2).

2. Chipre (v.19). Ilha do Medi­terrâneo com cerca de 225 quilôme­tros de comprimento por 97 de lar­gura, na parte mais larga. Dista 97 quilômetros da costa síria e turca. Seus antigos habitantes descendiam de Caftorim, filho de Mizraim, camita (Gn 10.13,14). Era a terra natal de Barnabé (At 4.36).

Paulo e Barnabé fizeram uma turnê pela ilha, de leste a oeste, de Salamina a Pafos, durante a sua primeira viagem missionária (At 13.4-13).

3. Antioquia da Síria (v.19) Também conhecida como Antioquia do Orontes, devido o rio em cujas proximidades ela se situava. Não deve ser confundida com a Antioquia da Pisídia (At 13.14). Era uma das dezesseis cidades fundadas por Seleuco I, por volta de 310 a.C.e cujos nomes foram dados em home­nagem a seu pai, Antíoco. Era a ter­ceira cidade do império romano. Só perdia em importância para Roma e Alexandria. Foi conquistada por Pompeu, em 64 a.C, e passou a ser a capital da Síria, que se tornou um província romana.Distava 500 quilômetros de Jerusalém e gozava de posição estratégica favorável para as missões, pois localizava-se na divi­sa entre os dois mundos culturais da época: o grego e semita.

MISSÕES TRANSCULTURAIS

1. Além das fronteiras cultu­raisNo versículos 19 diz que os discípulos, os quais residiam na ilha de Chipre, na Fenícia e na cidade de Antioquia da Síria, não pregavam para os gentios: "não anunciando a ninguém a palavra senão somente aos judeus". Isso porque eles ainda não tinham tido conhecimento da visão de Pedro e o resultado da visi­ta à casa de Cornélio, visto que isso só aconteceu após a morte de Estê­vão. Entretanto, o versículo 20 afir­ma que os que procederam de Chipre e Cirene levaram as boas novas aos gregos: "Os quais, entrando em Antioquia, falaram aos gregos, anun­ciando o Senhor Jesus". Essa "inovação" não desapontou a Igreja em Jerusalém que, pelo contrário, deu seu total apoio.

Cirene situava no norte da Áfri­ca, entre o Mediterrâneo e o deserto do Saara. Barnabé era cipriota ou chíprio (At 4.36) e Lúcio, um dos doutores da Igreja em Antioquia da Síria, era cireneu (At 13.1).

2. Surge a Igreja dos gentiosDiz o texto sagrado: "E a mão do Senhor era com eles; e grande nú­mero creu e se converteu ao Senhor" (v. 21). A peculiaridade da Antioquia da Síria consistia no fato de os dis­cípulos pregarem para os gentios, os quais de bom grado receberam a mensagem. O número deles agora era considerável. A Igreja crescia e se expandia, pois não estava mais limi­tada somente aos judeus.

3. Barnabé em Antioquia da Síria (v.22). A decisão também foi sábia na escolha de Barnabé para ser enviado a Antioquia, pois era um homem de fé, generoso e cheio do Espírito Santo. Outro motivo, era por ser ele "progressista" (no bom sen­tido da palavra), para o padrão ju­daico da época. A Igreja na Síria era também formada por gentios. Os apóstolos tinham apenas a experiên­cia de administrar grupos evangélicos, essencialmente constituídos de judeus. Barnabé, porém, possuía a maneira peculiar de lidar com os gre­gos.
4. O legalismo destrói a obra de DeusO legalismo farisaico do judaísmo mais atrapalhava do que aju­dava naquelas circunstâncias. O Cristianismo era a religião da liber­dade no Espírito Santo e não uma lista de regras (Gl 5.1), como a que os judeus até então vinham experimen­tando. Era algo vivo, ou seja, o po­der de Deus nas vidas transformadas pela obra sobrenatural da terceira Pessoa da Trindade.

CHAMADOS CRISTÃOS

1. Origem do nome cristão. "Em Antioquia, foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cris­tãos" (11.26). O vocábulo cristão,christianoi em grego ou christianus em latim, aparece apenas três vezes no Novo Testamento (At 11.26; 26.28 e 1 Pe 4.16). A desinênciaão (de Cristo+ão=cristão) significa "se­guidor de, adepto de", como no caso de "herodianos" (Mc 3.6) que quer dizer "seguidores de Herodes".

Os habitantes de Antioquia da Síria entenderam que o vocábulo Cristo fosse um nome próprio (os discípulos se referiam a Jesus como o "Cristo"). Por essa razão, chama­ram os discípulos de cristãos. Outros confundiram com Chrestos, nome próprio muito comum entre os gregos, que significa "bom". Por esse motivo, o historiador romano, Suetônio, faz menção de uma disputa entre judeus e chrestianos,nos dias de Cláudio, que parece haver liga­ção com At 18.2.

No entanto, na época de Nero, o vocábulo cristão já era um nome muito conhecido, e usado por Táci­to, Suetônio, Plínio e pelos pais da Igreja.

2. O que significa ser cristão, hoje? Hoje, os seguidores de Jesus são conhecidos universalmente como cristãos. Isso é sinônimo de redenção em Cristo. Esse nome os­tenta em nossa vida como um estan­darte de honra.

A CHAMADA MISSIONÁRIA

1. A situação de Jerusalém. Barnabé e Saulo ensinaram aos cris­tãos de origem gentílica, durante um ano (11.26). Na época, houve uma seca devastadora na Palestina, o que ocasionou uma grande fome, e os irmãos em Jerusalém enfrentavam di­ficuldades financeiras, ocasião em que a Igreja gentia levantou uma oferta, para socorrer os necessitados da Judéia (11.27-30).

Lucas abre um parêntese em sua narrativa, para registrar o que aconteceu nessa época em Jerusalém (Atos 12): O martírio de Tiago, irmão de João, a prisão de Pedro e sua libertação miraculosa, em resposta à oração daqueles irmãos, e a morte de Herodes Agripa I. Em seguida, retorna à história da Igreja em Antioquia da Síria e menciona a pri­meira viagem missionária de Paulo.

2. A Igreja em AntioquiaMui­tos haviam se convertido e o Cristianismo havia conquistado pessoas ilustres da sociedade: "Na igreja que estava em Antioquia havia alguns profetas e doutores, a saber: Bar­nabé, e Simeão, chamado Niger, e Lúcio, cireneu, e Manaém, que fora criado com Herodes, o tetrarca, e Saulo" (13.1).

Dos nomes acima mencionados, dois foram escolhidos para a obra missionária: Barnabé e Saulo. O in­teressante é que o Espírito Santo escolhe o melhor para as missões. A Igreja em Antioquia da Síria certamente sentiu falta dos serviços que eles lhe prestavam, mas, no entanto, os enviou. Certamente, contava com o trabalho deles ainda por muito tem­po. Porém, os caminhos de Deus nãos são os nossos e muito menos os seus pensamentos (Is 55.8, 9).

3. O desafio da IgrejaOramos setenta anos para a abertura no Les­te Europeu. Deus ouviu a nossa ora­ção. Onde estão os missionários brasileiros nesses países? Lá estão os mórmons e as testemunhas-de-Jeová disseminando heresias. Já estavam preparados, aguardando a oportuni­dade. O mundo islâmico é um desa­fio ainda maior. Nós precisamos nos despertar para as missões. As igre­jas, que já são missionárias, preci­sam ampliar seus horizontes. Devem enviar o que têm de melhor entre os obreiros. Antioquia mandou dois dos seus mais ilustres membros.

CONCLUINDO

Os trabalhos fundados na obra missionária não são uma extensão, ou seja, uma congregação da igreja mantenedora, pois a missão estrangeira é transcultural.

As igrejas que investem em mis­sões não devem esperar retorno financeiro, pois não são empresas que visam lucros, mas as bênçãos de Deus sobre elas, mediante o aumen­to de suas receitas.

O modelo de Atos sugere que to­das as igrejas sejam missionárias. Nenhum pastor precisa receber uma visão especial de Deus para iniciar a obra de missões. Essa ordem já está na Bíblia (Mt 28.19,20; Mc 16.16-20; Lc 24.47; At 1.8). Ele precisa buscar a direção do Espírito Santo de como realizar tal tarefa.

1. O nosso Deus é imutável. Por­tanto, o seu conceito sobre missões é o mesmo dos dias apostólicos. Se esta obra não frutifica como no princípio da Igreja, a culpa é exclusiva­mente nossa. Agora, em plena déca­da da colheita, é o momento de des­pertarmos para esta grande realida­de e recuperar o tempo perdido, me­diante nossa oração e contribuição.

2. A obra missionária precisa, em primeiro lugar, da aprovação divina, mediante nossa consagração e dedi­cação total à pregação do Evange­lho. A prova disso, encontramos no crescimento da Igreja em seu nascedouro. Os discípulos não possuí­am os recursos que desfrutamos na atualidade e evangelizaram o mun­do em apenas 60 anos.

3. Se utilizarmos todos os recursos, dos quais dispomos na atualidade, com certeza, realizaremos uma obra missionaria de maior envergadura do que a estabelecida pelos primeiros discípulos. Basta orarmos e consagrarmos as nossas vidas para este fim, pois a aprovação de Deus já está consignada desde a ordem de Jesus em Mt 28.19,20.

Bibliografia E. Soares


A igreja em Antioquia 11:19-30

Enquanto estes desenvolvimentos aconteciam na área da missão da igreja judaica, os cristãos judaicos helenísticos que tinham sido forçados a deixar Jerusalém na ocasião da morte de Estêvão, se espalharam até ao nor­te, chegando à grande metrópole da Antioquia. Espalhavam o evangelho por onde iam, mas foi somente em Antioquia que começaram a falar a não-judeus e a ganhar muitos convertidos. A igreja começou a crescer rapida­mente. As notícias levaram a igreja em Jerusalém a enviar um representante para ver o que estava acontecendo. Barnabé, o visitante assim nomeado, não tinha dúvida alguma acerca do valor da obra que estava sendo realizada, e tomou parte ativa nela, indo para Tarso buscar Paulo, a fim deste também participar. A evangelização da igreja fez um impacto tão grande que o povo do local cognominou seus membros de "gente de Cristo". Os membros da igreja tinham consciência dos seus vínculos com Jerusalém, e quando ouviram uma profecia acerca de uma fome que estava para vir, enviaram uma dádiva em dinheiro para ajudar a igreja.

Não pode haver dúvida alguma de que a formação da igreja em Antioquia foi um evento de grande importância na expansão da igreja e da sua missão aos gentios. Pode-se supor com confiança que não se exigia da parte dos convertidos gentios que fossem circuncidados ou que guardassem a lei, e provavelmente formavam um grupo de tamanho considerável dentro da igreja, embora não exista evidência sólida de que formassem a maioria. A questão da lei judaica surgiu apenas quando visitantes de Jerusalém pro­curaram aplicá-la obrigatoriamente (Gl 2:11-14).

19. A introdução de Lucas à seção leva o leitor de volta para 8:24, que descreveu como a morte de Estêvão deu vazão a uma onda de oposi­ção à igreja e à dispersão de muitos cristãos. Com toda a probabilidade, eram judeus que tinham conexão com a Dispersão, e eranatural para eles mudarem-se para áreas fora da Judéia, inclusive os três lugares menciona­dos. A Fenicia (o moderno Líbano), era a área que se estendia ao lon­go do litoral numa faixa estreita desde o Monte Carmelo por uma dis­tância de aproximadamente 242 km, sendo que suas cidades principais eram Ptolemaida, Tiro, Sarepta e Sidom, e, mais tarde, ficamos sabendo de gru­pos cristãos em três destes lugares (21:3, 7; 27:3); sem dúvida for­mados nesta ocasião. Chipre, já mencionada como domicílio de Barnabé (4:36), já possuía um elemento judaico na sua população pelo menos desde o século II a.C. (1 Mac. 15:23); foi o primeiro lugar a ser evangelizado por Barnabé e Paulo quando, mais tarde, saíram juntos como missionários (13:4-12). Entende-se, assim, que havia cristãos em Chipre antes da chegada de Barnabé e Paulo, fato este que não está em tensão com o relato de Lucas em 13:4-12, ainda que não o mencione ali (apesar de Conzelmann, pág. 67). Antioquia, a capital da província romana da Síria, crescera rapidamente para tornar-se a terceira maior cidade do Império (depois de Roma e Alexandria), com uma população estimada em 500.000. Foi fundada por Seleuco I e recebeu o nome de Antioquia em homenagem ao seu pai Antíoco (a mesma homenagem foi ligada aos nomes de cerca de 16 cidades, cf. 13:14). Havia ali uma grande população judaica.

20-21. Os judeus exilados para seu novo lar pregavam, de início, apenas para seus concidadãos judeus. A mudança decisiva foi instigada por alguns judeus de Chipre e de drene que pregavam as boas novas de Jesus também aos gregos em Antioquia (Lucas decerto se refere aos gentios, mas o texto está incerto. Ao invés de "gregos", a maioria dos MSS (inclusive o Códice do Vaticano) tem "helenistas", a pa­lavra que se emprega em 6:1 e 9:29 para designar os judeus de língua grega. Os argu­mentos textuais em prol da segunda leitura são muito fortes; caso seja adotada, refere-se, sem dúvida, à população mista da Antioquia, de língua grega (Metzger, págs. 386-389).).

Não pode haver dúvida de que se iniciou um período bem-sucedido de evangelização entre os gentios, e de que a observância da lei judaica não era requerida dos convertidos. O que não sabemos é como a igreja foi levada a dar este passo. Fora necessária a intervenção divina para persuadir Pedro a empreender atuação semelhante, mas aqui, parece que ocorreu quase casualmente sem surgirem questões de princípios, nem no começo, nem mais tarde. É provável que se possa explicar bem simplesmente o assun­to, ao notar que a probabilidade de haver gentios associados com as sinago­gas era muito maior na Dispersão, de tal modo que igreja entraria na questão do lugar deles no evangelismo muito mais frequentemente e diretamente do que na Judéia propriamente dita. Se alguns dos próprios evangelistas tinham sido prosélitos, este passo ficaria tanto mais natural. Devemos su­por que o novo grupo cristão rapidamente perdeu contato com as sinago­gas, de modo que não era compelido a observar a lei judaica, como acon­tecia no ambiente predominantemente judaico de Jerusalém. Não sabe­mos se a conversão de Cornélio ocorrera antes e já ficara conhecida em Antioquia, de modo que pudesse ter servido de precedente.

22-24. Nada há de surpreendente no fato de que a notícia daquilo que acontecia em Antioquia tivesse chegado à igreja que estava em Jerusalém, visto que, sem dúvida, havia bastante intercâmbio entre as duas cidades. Em ocasiões anteriores (8:14; cf. 9:32) os líderes da igreja em Jerusalém tinham enviado representantes para acompanhar a obra missionária fora da cidade, e esta ocasião específica claramente exigia que demonstrassem interesse. Não é necessário supor que a atuação deles fosse motivada pela suspeita, e muito menos, pela hostilidade. No máximo, talvez tenha sido necessário aplacar um grupo de cristãos judaicos da extrema direita em Je­rusalém, que haveriam de causar dificuldades numa etapa posterior e que talvez já estavam se opondo à admissão dos gentios à igreja sem a circuncisão ser exigida da parte deles; nada sugere que este grupo predominava na igreja, mas os líderes fizeram o que puderam para conciliá-los (ver Hanson, pág. 130).

A simpatia básica da igreja em Jerusalém com as notícias do que acontecia em Antioquia pode ser deduzida da escolha de Barnabécomo delegado dela. Embora, pertencesse a uma família da Dispersão, era encarado com total confiança em Jerusalém, e agia como fiel da balança entre os elementos hebraicos e helenísticos dentro da igreja. Seu caráter era bem adaptado para esta função, pois era marcante a qualidade cristã da sua vida; é o único homem a quem Lucas descreve como sendo bom em Atos, e, quanto aos dons espirituais, estava em pé de igualdade com Estêvão. Não podia deixar de ver a mão de Deus no crescimento da igreja em Antioquia, e regozijava-se diante desta evidência da graça divina. Longe de exortar os novos convertidos a se curvarem diante de exigências legalísticas, instruiu-os a ficarem firmes na sua fé; aqui vemos porque Barnabé merecia o cognome de "filho de exortação" (4:36). Que Barnabé tinha a visão espiritual para reconhecer que o plano de Deus estava sendo cumprido em Antio­quia foi de importância decisiva para o crescimento da igreja.

25-26. Barnabé reconheceu as ricas potencialidades da situação para mais avanços, e percebeu a necessidade de ajuda adicional na evangelização e no ensino. Foi procurar, portanto, seu antigo amigo Paulo, que es­tava trabalhando em Tarso, e persuadiu-o a participar da obra em Antio­quia. Será que Paulo sentia que já se cumprira tudo quanto necessitava fazer em Tarso? Realmente não sabemos, e não ficamos sabendo de conta­tos posteriores que tenha tido com aquela cidade, mas decerto Paulo já passara ali um período considerável de tempo, e, nas suas campanhas missio­nárias posteriores, sua praxe era ficar suficiente tempo em qualquer de­terminado lugar para estabelecer a igreja, e depois avançar para outra locali­dade. A obra que Barnabé e Paulo realizaram em Antioquia é descrita co­mo ensinar a igreja, mas esta palavra pode referir-se tanto à evangelização quanto à edificação espiritual dos convertidos existentes.

Um dos resultados importantes de todas estas atividades é que, pela primeira vez, os discípulos vieram a ser conhecidos como cristãos. Lucas especialmente menciona este fato porque "cristão" 'viera a ser um termo familiar em certas áreas na ocasião em que escreveu. Já nos inícios do século II, o nome é atestado em Roma, na Ásia Menor, e em Antioquia. A terminação da palavra (Christianos) indica que é uma palavra latina, tal qual "herodiano", e que se refere aos seguidores de Jesus Cristo. "Cristo", portanto, seria entendido como nome próprio, embora seu emprego origi­nal fosse como título, "o Messias", para Jesus. O verbo foram chamados subentende com toda a probabilidade que "cristão" era um cognome da­do pelo populacho de Antioquia e, assim, é bem provável que este enten­desse que "Cristo" fosse um nome próprio, ainda que, nestas alturas os próprios cristãos ainda o empregassem como título; não passou muito tempo, no entanto, para o título tornar-se, mais e mais, um nome para Jesus. É provável que o nome contivesse um elemento deridicularização (cf. At 26:28; 1 Pe 4:16, os únicos outros empregos do nome no Novo Testamento). Os cristãos preferiam empregar para si outros nomes, tais como "discípulos", "santos" e "irmãos".

27-28. Um dos aspectos importantes da igreja primitiva foi a ati­vidade dos profetas, pregadores carismáticos que às vezes estavam liga­dos a uma igreja local ou ocupados num ministério itinerante (13:1). Suas funções eram várias, e incluíam a exortação bem como a pre­visão do futuro; é bem possível que tenham dado exposições do Antigo Testamento, empregando sua compreensão espiritual para mostrar como suas profecias estavam sendo cumpridas nos eventos em conexão com a as­censão da igreja. A atividade deles tinha conexão com o novo sentido de inspiração associado com o dom do Espírito à igreja. Nada há de surpreen­dente na chegada de tais homens, provenientes de Jerusalém, em Antio­quia (embora Haenchen, pág. 376, fique muito perplexo com eles). Nada mais ficamos sabendo, no entanto, acerca do propósito ou dos resultados da visita deles senão que um deles, de nome Ágabo (que reaparece em21:10), previu uma fome que se estenderia por todo o mundo, i.é, o Im­pério Romano. Fomes faziam parte daquilo que os cristãos esperavam para os tempos do fim (Lc 21:11), e esta profecia talvez tenha sido uma ad­vertência de que o fim deveria estar próximo, embora nada se fala neste sentido no texto. É certo que não houve qualquer fome que abrangesse o Império inteiro durante o reinado de Cláudio (nem em qualquer outro tempo); havia, no entanto, "fomes frequentes", conforme o historiador Suetônio, e este era um cumprimento adequado da profecia. Certamen­te houve uma fome na Judéia em c. de 46 d.C, e Josefo conta como He­lena da Adiabenemandou trigo para aliviar a fome dos pobres em Jerusa­lém. J. Jeremias notou que os judeus seguiam a lei do sétimo ano sem plantio durante este período, e argumentou que, se a quebra da produção coincidiu com os efeitos de um ano sem plantio, a fome seria tanto maior; sugeriu, portanto, que a fome fosse associada com o ano sabático que foi celebrado em 47-48 d.C. A profecia, naturalmente, pode ter si­do pronunciada uns poucos anos antes.

29-30. A profecia encorajou os cristãos em Antioquia a enviar uma coleta em dinheiro para capacitar seus irmãos na Judéia a comprarem esto­ques de gêneros alimentícios para enfrentar a crise vindoura. Trata-se de um ato de fraternidade cristã, da qual os membros da igreja participaram de acordo com as suas possibilidades. O dinheiro era enviado aos presbíteros da igreja. Esta é a primeira vez que presbíteros se mencionam na igre­ja de Jerusalém, e causou certa surpresa o fato deles, e não os apóstolos, estarem encarregados do socorro aos pobres. Na realidade, porém, os após­tolos já tinham delegado a outros este dever (6:1-6), e é possível que os "Sete" que foram nomeados para cuidarem desta tarefa agora vieram a ser conhecidos como "presbíteros" por analogia com o nome dado a certos lí­deres nas sinagogas judaicas. Funcionavam lado a lado com os apóstolos (15:4, 6, 22-23; 16:4; 21:18). A coleta foi trazida por Barnabé e Paulo. A objeção tem sido levantada que é improvável que tivessem estado em Jerusalém durante a perseguição da igreja descrita na seção que imedia­tamente se segue: como poderiam ter passado sem serem molestados? Não se nos informa, porém, que estavam em Jerusalém exatamente naquela altura, a cronologia está em aberto. Mais importante é o relaciona­mento entre a presente narrativa e aquela em Gálatas caps. 1-2 onde Pau­lo faz um resumo das suas primeiras conexões com a igreja em Jerusalém. À parte da sua visita a Jerusalém após sua saída pouco cerimoniosa de Da­masco, menciona uma outra visita para lá, na qual foi acompanhado por Barnabé e Tito, e durante a qual debateu o problema de pregar o evan­gelho aos gentios; pediram a ele que "se lembrasse dos pobres", e diz que foi exatamente isto mesmo que estava ansioso para fazer (Gl 2:1-10). Esta visita deve ser considerada a mesma de Atos cap. 11? Podem ser levanta­das as seguintes objeções: (1) Atos cap. 15 relata a história de uma visita subsequente a Jerusalém na qual a questão dos gentios foi o objeto explí­cito da discussão. Embora haja diferenças quanto aos pormenores entre Atos cap. 15 e Gálatas cap. 2, pode-se argumentar que pertencem ao mesmo incidente, e que é improvável que o mesmo terreno foi repisado duas vezes.

Nada há de improvável, no entanto, no fato de ser necessário discutir um assunto antes de finalmente se chegar a um acordo final, conforme con­cordará qualquer pessoa que já trabalhou numa comissão. (2) Gálatas cap. 2 trata da controvérsia teológica, ao passo que Atos cap. 11 diz res­peito a uma oferta em dinheiro. Mas podemos compreender que Lucas conservou a parte da controvérsia para o cap. 15. Além disto, Gálatas 2:10 pode significar que Paulo já estava ansioso por ajudar os pobres e que, na realidade, já o estava fazendo. Se for assim, não há qualquer confli­to real entre as passagens. Consideramos, portanto, que a probabilidade pende em favor de a visita aqui registrada ser a mesma que se refere em Gl 2:1-10.

Bibliografia I. H. Marshall

A IGREJA ENTRE OS GENTIOS


Desde o Concílio de Jerusalém, 50 a.D. Até ao Martírio de Paulo, 68 a.D.

Por decisão do concílio realizado em Jerusalém, a igreja ficou com liberdade para iniciar uma obra de maior vulto, destinada a levar todas as pessoas, de todas as raças, e de todas as nações para o reino de Jesus Cristo. Supunha-se que os judeus, membros da igreja, continuassem observando a lei judaica, muito embora as regras fossem interpretadas de forma ampla por alguns dirigentes como Paulo. Contudo, os gentios podiam pertencer à  igreja cristã, mediante a fé em Cristo e uma vida reta, sem submeterem-se às exigências da lei.

Para tomarmos conhecimento do que ocorreu du­rante os vinte anos seguintes ao concílio de Jerusalém, dependemos do livro dos Atos dos Apóstolos, das epís­tolas do apóstolo Paulo, e talvez do primeiro versículo da Primeira Epístola de Pedro, que possivelmente se refere a países talvez visitados por ele. A estas fontes de informações pode-se juntar algumas tradições do período imediato à era apostólica, que parecem ser autênticas. O campo de atividades da igreja alcançava todo o Império Romano, que incluía todas as províncias nas margens do Mar Mediterrâneo e alguns países além de suas fronteiras especialmente a leste. Nessa época o número de membros de origem gentia continuava a crescer dentro da comunidade, enquanto o de judeus diminuía. À medida que o evangelho ganhava adeptos no mundo pagão, os judeus se afastavam dele e crescia cada vez mais o seu ódio contra o Cristianismo. Em quase todos os lugares onde se manifestaram persegui­ções contra os cristãos, nesse período, elas eram insti­gadas pelos judeus.

Durante aqueles anos, três dirigentes se destacaram na igreja. O mais conhecido foi Paulo, o viajante in­cansável, o obreiro indômito, o fundador de igrejas e o eminente teólogo. Depois de Paulo, aparece Pedro cujo nome apenas consta dos registros, porém foi reconhecido por Paulo como uma das "colunas". A tradição diz que Pedro esteve algum tempo em Roma, dirigiu a igreja nessa cidade, e, por fim, morreu como mártir no ano 67. O terceiro dos grandes nomes dessa época foi Tiago, um irmão mais moço do Senhor, e dirigente da igreja de Jerusalém. Tiago era fiel conservador dos costumes judaicos. Era reconhecido como dirigente dos judeus cristãos; todavia não se opunha a que o evangelho fosse pregado aos gentios. A epístola de Tiago foi escrita por ele. Tiago foi morto no Templo, cerca do ano 62. Assim, todos os três líderes desse período, entre muitos outros menos proeminentes perderam suas vidas como mártires da fé que abraçaram. O registro desse período, conforme se encontra nos 13 últimos capítulos de Atos, refere-se somente às atividades do apóstolo Paulo. Entretanto, nesse período outros missionários devem ter estado em atividade, pois logo após o fim dessa época mencionam-se nomes de igrejas que Paulo jamais visitou. A primeira viagem de Paulo através de algumas províncias da Ásia Menor já foi mencionada em capítulo anterior. Depois do concílio de Jerusalém Paulo empreendeu a segunda viagem missionária. Tendo por companheiro Silas ou Silvano, deixou Antioquia da Síria e visitou, pela terceira vez, as igrejas do continente, estabelecidas na primeira via­gem. Foi até às costas do Mar Egeu, a Trôade, antiga cidade de Tróia, e embarcou para a Europa, levando, assim, o evangelho a esse continente. Paulo e Silas estabeleceram igrejas em Filipos, Tessalônica e Beréia, na província de Macedônia. Fundaram um pequeno núcleo na culta cidade de Atenas e estabeleceram forte congregação em Corinto, a metró­pole comercial da Grécia. Da cidade de Corinto, Paulo escreveu duas cartas à igreja de Tessalônica, sendo essas as suas primeiras epístolas.

Navegou depois pelo Mar Egeu, para uma breve visita a Éfeso, na Ásia Menor. A seguir atravessou o Mediterrâneo e foi a Cesaréia; subiu a Jerusalém, a fim de saudar a igreja dessa cidade, e voltou ao ponto de partida em Antioquia da Síria. Em suas viagens, du­rante três anos, por terra e por mar, Paulo percorreu mais de três mil quilômetros, fundou igrejas em pelo menos sete cidades e abriu, pode-se dizer, o continente da Europa à pregação do Evangelho. Após um breve período de descanso, Paulo iniciou a terceira viagem missionária, ainda de Antioquia, porém destinada a terminar em Jerusalém, como prisioneiro do governo romano. Inicialmente seu único companheiro fora Timóteo, o qual se havia juntado a ele na segunda viagem e permaneceu até ao fim, como auxiliar fiel e "filho no Evangelho". Contudo, alguns outros companheiros es­tiveram com o apóstolo, antes de findar esta viagem. A viagem iniciou-se com a visita às igrejas da Síria e Cilicia, incluindo, sem dúvida, a cidade de Tarso, onde nasceu. Continuou a viagem pela antiga rota e visitou, pela quarta vez, as igrejas que estabeleceu na primeira viagem.

Entretanto, após haver cruzado a província de Fri­gia, em lugar de seguir rumo norte, para Trôade, foi para o Sul, rumo a Efeso, a metrópole da Ásia Menor. Na cidade de Éfeso permaneceu por mais de dois anos, o período mais longo que Paulo passou em um só lugar, durante todas as suas viagens. Seu ministério teve êxito não apenas na igreja em Éfeso mas também na propagação do evangelho em toda a província. As sete igrejas da Ásia, foram fundadas quer direta, quer indiretamente por Paulo. De acordo com seu método de voltar a visitar as igrejas que estabelecera, Paulo navegou de Éfeso para a Macedônia, visitou os discípulos em Filipos, Tessalônica, Beréia e bem assim aqueles que estavam na Grécia. Depois disso sentiu que devia voltar pelo mesmo trajeto, para fazer uma visita final àquelas igrejas. Navegou para Trôade e dessa cidade passou pela costa da Ásia Menor. De Mileto, o porto de Éfeso, mandou chamar os anciãos da igreja de Éfeso, e despediu-se deles com emocionante exortação. Recomeçou a viagem para Cesaréia, e subiu a montanha até Jerusalém. Nesta cidade Paulo terminou a terceira viagem missionária, quando foi atacado pela multidão de judeus no templo, aonde fora adorar. Os soldados romanos protegeram o apóstolo da ira do populacho, e o recolheram à fortaleza de Marco António.

A terceira viagem missionária de Paulo foi tão longa quanto a segunda, exceto os 480 quilômetros entre Jerusalém e Antioquia. Seus resultados mais evidentes foram a igreja de Éfeso e duas das suas mais importan­tes epístolas, uma à igreja em Roma, expondo os prin­cípios do evangelho de acordo com a sua própria maneira de pregar, e outra aos Gálatas dirigida às igrejas que estabelecera na primeira viagem, onde os mestres judaizantes haviam pervertido muitos discípulos.

Durante mais de cinco anos, após sua prisão, Paulo esteve prisioneiro; algum tempo em Jerusalém, três anos em Cesaréia e pelo menos dois anos em Roma. Podemos considerar a acidentada viagem de Cesaréia a Roma, como a quarta viagem de Paulo, pois, mesmo preso, era ele um intrépido missionário que aproveitava todas as oportunidades para anunciar o evangelho de Cristo. O motivo da viagem de Paulo foi a petição que ele fez. Na qualidade de cidadão romano apelou para ser julgado pelo imperador, em Roma. Seus companheiros nessa viagem foram Lucas e Aristarco, os quais talvez tenham viajado como seus auxiliares. Havia, a bordo do navio em que viajavam, criminosos confessos que eram levados para Roma a fim de serem mortos nas lutas de gladiadores. Havia, também, soldados que guardavam os presos que viajavam no navio. Podemos estar certos de que toda essa gente que participou da longa e perigosa viagem, ouviu o evangelho anunciado pelo apóstolo. Em Sidom, Mirra e Creta, onde o navio aportou, Paulo proclamou a Cristo. Em Melita (Malta) onde estiveram durante três meses após o naufrágio, também se converteram muitas pessoas.

Finalmente Paulo chegou a Roma, a cidade que du­rante muitos anos foi o alvo de seu trabalho e esperança. Apesar de se tratar de um preso à espera de julgamento, contudo a Paulo foi permitido viver em casa alugada, acorrentado a um soldado. O esforço principal de Paulo, ao chegar a Roma, foi evangelizar os judeus, tendo para esse fim convocado seus compatriotas para uma reunião que durou o dia inteiro. Verificando que apenas uns poucos dos judeus estavam dispostos a aceitar o Evangelho, voltou-se então para os gentios. Por espaço de dois anos, a casa em que Paulo morava em Roma funcionou como igreja, onde muitos encontraram a Cristo, especialmente os soldados da guarda do Pre­tório. Contudo seu maior trabalho realizado em Roma foi a composição de quatro epístolas, que se contam entre os melhores tesouros da igreja. As epístolas foram as seguintes: Efésios, Filipenses, Colossenses e Filemom. Há motivos para crer que após dois anos de prisão, Paulo foi absolvido e posto em liberdade.

Podemos, sem dúvida, considerar os três ou quatro anos de liberdade de Paulo, como a continuação de sua quarta viagem missionária. Notamos alusões ou esperanças de Paulo, de visitar Colossos ou Mileto. Se es­tava tão próximo de Éfeso, como o estavam os dois mencionados lugares, parece certo que visitou esta úl­tima cidade. Visitou, também, a Ilha de Creta, onde deixou Tito responsável pelas igrejas, e esteve em Nicópolis no Mar Adriático, ao norte da Grécia. A tradição declara que neste lugar Paulo foi preso e enviado outra vez para Roma, onde foi martirizado no ano 68. A este último período podem pertencer estas três epístolas: Primeira a Timóteo, Tito e Segunda a Timóteo, sendo que a última foi escrita na prisão, em Roma.

No ano 64 uma grande parte da cidade foi destruída por um incêndio. Diz-se que foi Nero, o pior de todos os imperadores romanos, quem ateou fogo à cidade. Contudo essa acusação ainda é discutível. Entretanto a opinião pública responsabilizou Nero por esse crime. A fim de escapar dessa responsabilidade, Nero apontou os cristãos como culpados do incêndio de Roma, e moveu contra eles tremenda perseguição. Milhares de cristãos foram torturados e mortos, entre os quais se conta o apóstolo Pedro, que foi crucificado no ano 67, e bem assim o apóstolo Paulo, que foi decapitado no ano 68. Essas datas são aproximadas, pois os apóstolos acima citados ja podem ter sido martirizados um ou dois anos antes. E uma das "vinganças" da História , que naque­les jardins onde multidões de cristãos foram queimados como "tochas vivas" enquanto o imperador passeava em sua carruagem, esteja hoje o Vaticano, residência do sumo-pontífice católico-romano, e a basílica de São Pedro, o maior edifício da religião cristã.

Na época do concílio de Jerusalém, no ano 50, não havia sido escrito nenhum dos livros do Novo Testamento. A igreja, para conhecimento da vida e dos ensi­nos do Salvador, dispunha tão-somente das memórias dos primitivos discípulos. Entretanto, antes do final deste período, 68 a. D., grande parte dos livros do Novo Testamento já estavam circulando, inclusive os evan­gelhos de Mateus, Marcos e Lucas e as epístolas de Paulo, Tiago, 1 Pedro e talvez 2 Pedro, embora ques­tões tenham sido levantadas quanto a autoria dessa última. Deve-se lembrar que é provável que a epístola aos Hebreus tenha sido escrita depois da morte de Paulo, não sendo, portanto, de sua autoria.

J. L. Hurlbut
O Evangelho Propaga-se Entre os Gentios

Deus seja louvado pela sua iniciativa em prover, quer da perspectiva passa­da, presente ou futura, graciosamente a salvação. Deus tem de ser louvado, porque nEle surge uma nova comuni­dade que essencialmente derruba a antiga barreira racial existente entre judeus e gentios. Esse acontecimento ocorre no contexto cuja vontade sobe­rana de Deus é exercida. Busquemos em Deus, no exemplo de seu Filho Je­sus Cristo e na força do Espírito Santo, uma vida autenticamente cristã onde não haja barreira para os relaciona­mentos com os irmãos em Cristo, que são "a Igreja de Deus".

Deus não faz acepção de pes­soas (At 10.34). Criador de tudo quanto existe, a todos preserva pela sua bondade e justiça (At 17.25-28). Ele ama a todos indistintamente e deseja a salvação de toda a humanidade (Jo 3.16) através de Jesus Cristo (Mt 1.21; At 4.12). Esta é a mensagem que os apóstolos de Nosso Senhor proclamaram aos gentios. No Filho, todos somos amados pelo Pai, sem quaisquer distinções. Está você também dis­posto a anunciar o evangelho até aos confins da terra? Há muita terra ainda a ser conquistada.

OS GENTIOS NO ANTIGO TESTAMENTO

Toda a humanidade descende de um único casal a quem Deus formara segundo a sua imagem e semelhança (Gn 1.27; 5.2). Embora criado santo, justo e bom para a glória do Senhor (Gn 5.1; Sl 115.1), o homem desobedeceu-lhe as ordens e veio a conhecer experimentalmen­te o pecado. Com a sua apostasia, fez com que a maldade tomasse conta do mundo (Gn 4.8,23). A Deus, então, não restou outra al­ternativa senão destruir a primeira civilização através de um dilúvio universal (Gn 6 - 9).

1. Um novo co­meço com NoéApe­nas Noé e a sua família salvaram-se daquele cataclismo. Por inter­médio dos filhos do piedoso e santo patriarca: Jafé (Gn 10.2-5), Cam (Gn 10.6-20) e Sem (Gn 10.21-31), vieram a formarem-se as nações com as suas respectivas geografias (Gn 10-11). Infeliz­mente, a humanidade porfiou em desobedecer a Deus (Gn 11.1-9). Em meio a essa desolação espi­ritual e moral, Deus santifica um descendente de Sem, Abraão, para que dele uma nova nação fosse formada (Gn 12.1-3). Em Abraão, fomos todos abençoados.

2. A exclusividade dos descendentes de Abraão (Gn 15.5,6). Ao chamar Abraão, o Se­nhor dá início à história de Israel (Gn 12.1-3). Seu propósito à nação judaica (Gn 18.18; 22.18) era tor­ná-la uma propriedade peculiar, um reino sacerdotal e um povo santo (Êx 19.5,6). Ele a constituiu para que esta lhe fosse uma possessão distinta e particular (Is 44.1-2), a fim de que, por seu intermédio, alcançasse os gentios.

A partir de então, todas as demais etnias passaram a ser co­nhecidas como gôyim- gentios (Gn 15.18-21). Isso não significa, po­rém, que Deus não ame as demais nações. Ele as ama, sim! E de tal maneira amou-as, que deu o seu Único Filho, para que todo aquele que nElecrê não pereça, mas tenha a vida eterna. Além do mais, em Abraão foram benditas todas as nações da terra (Gn 1 2.3).

OS GENTIOS EM O NOVO TESTAMENTO

O Novo Testamento faz ques­tão de realçar o amor de Deus não somente por Israel, mas por todos os povos. João 3.16 deixa isso bem claro. Não resta dúvida: a salvação vem dos judeus, mas não se restringe aos judeus, mas através dos judeus deve alcançar a todos osnão-judeus.

1. Nos EvangelhosNos evangelhos há várias referências aos gentios (Mt 6.7,32; Mc 10.33; Lc 12.30; 1 8.32). Descritos às vezes com certa reserva (Mt 20.19; Mc 10.33), são eles vistos como a grande seara a ser alcançada pelos apóstolos que, no cumprimento da Grande Comissão, deixariam Jerusalém e a Judeia para evangelizar e ensinar todas as nações (Mt 28.18-20). Aliás, Isaías já destacava a missão do Cristo entre os gentios (Is 42.1-4). Durante o seu ministério terreno, o Senhor Jesus agraciou alguns destes como a mulhercananeia (Mt 15.21-28) e o centurião (Lc 7.1-10).

2. Nos Atos dos Apósto­losEmbora Atos 1.8 estabeleça a obrigatoriedade da missão entre os gentios, somente no capítulo 9 e versículo 15, após a conversão de Paulo, é que se declara aberta e enfaticamente a evangelização das nações (ver At 13.44-47). A resistência inicial dos apóstolos em discipulados (At 10.9-16) é vencida quando Cornélio, sua família e demais assistentes, recebem o batismo com o Espírito Santo (At 10.44-48). O fato trouxe perplexidade no colégio apostólico (At 11.1-3,18), mas após a apologia de Pedro (At 11.4-17 ver 15.7-11), a Igreja glorificou a Deus pelo fato de os gentios serem também objeto do amor de Deus (At 10.45).

3. Missão e Salvação en­tre os GentiosSe Pedro, com o evangelho da circuncisão, é proeminente nos capítulos de 1 a 12 de Atos, nos capítulos de 13 a 28, destaca-se Paulo com o evangelho da incircuncisão (Gl 1.7). O primeiro diz respeito aos judeus, o segundo aos gentios (At 13.44-47). Trata-se, porém, de um só evangelho - o evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Paulo estava consciente de que fora chamado por Deus para anunciar o evangelho aos gentios (At 9.15), sem os entraves da lei (At15.19,28,29; Rm 4.9-16). Em suas viagens missionárias, não foram poucos os gentios que se converteram ao Senhor (At 11.1,18) e de bom grado ouviram a exposição da graça divina (At 13.42).

Você se preocupa com a evangelização transcultural? Se você não foi chamado ao campo, coopere financeiramente com a Obra Mis­sionária e ore pelos que se acham além-fronteiras falando do amor de Deus. A responsabilidade pelo "Ide" também é sua.

JUDEUS E GENTIOS UNIDOS POR DEUS MEDIANTE A CRUZ

1. A Igreja de DeusAo defender a difusão do Evangelho entre as nações, afirmou Pedro: "[...] Deus visitou os gentios, para tomar deles um povo para o seu nome" (At 15.14). Esse povo é a Igreja formada por judeus e gentios em Cristo (Rm 9.24-33). De ambos, fez Ele um só povo, derribando a parede de separação que estava no meio, e, pela cruz, reconciliou ambos com Deus em um corpo (Ef 2.14-16).

Dessa maneira, o Espírito Santo revela a Paulo (Ef 3.4,5) que os gentios não são mais estran­geiros (gôyim) e nem forasteiros, mas concidadãos dos Santos, da família de Deus (Ef 2.11-22; 1 Pe 2.5), co-herdeiros e participantes da promessa em Cristo pelo evan­gelho (Ef 3.6).

2. Expansão da igreja entre os gentios. Através de suas viagens missionárias, Pau­lo propagou o evangelho entre os povos e culturas conhecidos naqueles dias (Rm 15.19,20). Em várias regiões, estabeleceu ele igrejas constituídas notadamente por gentios (Rm 16.4).

CONCLUSÃO

A evangelização dos povos é o maior desafio da igreja moder­na. A responsabilidade é nossa. O Senhor confiou-nos a Grande Co­missão para que, sem remissões, alcancemos os confins da terra. Ele deseja que todos os gentios sejam salvos. Você sabia que muitos povos ainda não ouviram falar de Jesus? Como responderá você a esse grande desafio? Se o Senhor o chama à Obra Missionária, res­ponda prontamente: "Eis-me aqui, Senhor. Envia-me a mim".

Bibliografia Claudionor de Andrade


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